Pouco mais de dois anos se passaram desde o dia em que havia pedido Hina em casamento.
Peguei-me pensando sobre isso e não acreditei que estávamos juntos há apenas três anos. Ela e Lyra estavam para se formar e as coisas corriam na mais perfeita ordem. Até o insuportável do Leon parara de atormentar depois que saímos da casa da Lyra e nos mudamos para um apartamento que encontrei no mesmo quarteirão.
Meu trabalho como Vampire Hunter se intensificou desde que havia me formado, e eram raras às vezes em que conseguia passar um mês inteiro no Japão. Minha Princesa, com toda razão, reclamava das minhas viagens. Eu mesmo não gostava de deixá-la sozinha, mas o Conselho sempre me procurava como primeira opção para as missões com vampiros que haviam perdido o controle. Pelo menos, o pagamento era adequado.
Poucos caçadores conseguiam satisfazer as expectativas das missões. Causavam muitos problemas, pois, pela falta de treino, acabavam não fazendo um “trabalho limpo”. Mimi não estava mais na área, alegara insanidade há um ano e desde então não a vi mais nas reuniões. Também não faço questão de vê-la. Tudo o que podia me ensinar, ensinou antes de toda aquela confusão com meus amigos sugadores.
Era o mais novo na mesa do Conselho. Não agüentava mais ouvir os elogios sobre minhas habilidades e sensibilidade que tinha para os vampiros, e toda vez, ouvia uma comparação com o trabalho realizado por minha mãe, antes de se aposentar. Estava feliz por tê-la conseguido superar. Ela também dizia estar. Para os outros, não para mim.
Cheguei a ir a minha antiga casa algumas vezes, mas nunca mais conversei com ela. A vi algumas vezes de longe, e ela fingia não ter me notado no local. Mel sempre foi assim, boba. Apesar dos pesares, não queria ter brigado com ela por uma besteira. Hina nunca mais bebera sangue humano por mim, não havia por que se sentir ofendida quanto a isso. Queria vê-la em meu casamento. Mandei a observação, feita por meu punho, em seu convite.
Aliás, Hina estava descontando toda sua frustração, com minhas rápidas viagens, em nosso casamento. Eu falei que não me importava aonde seria, como seria, quando seria, muito menos pelo tipo de flor que ornamentaria as mesas! Apenas queria ser, oficialmente, seu marido. Tudo que ela escolhesse, para mim estava ótimo. Mas ela não entendia. E chorava, dizendo que eu não estava interessado por nossa festa.
Acho que ela só não ficava mais triste, por que podia cantar na banda que havia fundado com Anne há alguns meses. Hina era a vocalista e dividia o posto de guitarrista com minha irmã. Havia também outras duas ou três meninas, mas eu nunca prestava atenção nelas. Como era mesmo o nome da banda? “Help me!”, acho. Minha Princesa, como sempre, com sua criatividade aluada para as coisas. Eu adorava isso nela.
- Daviiiid!
Bastava falar. Ela sorriu de forma radiante e correu ao meu encontro, jogando-se em cima de mim e quase virando a pequena poltrona em que estava sentado. Aninhei-a em meu colo e beijei sua boca de veludo. Era tão bom ver aqueles olhos grandes, roxos e brilhantes novamente.
- Quando chegou? Por que não me ligou?
- Faz algumas poucas horas. Não ia interromper sua aula, não é? – Ela sempre me fazia rir.
- Poderia ter me dito que chegaria hoje! Iria te buscar no aeroporto! – Disse fazendo biquinho.
- Sem chance! – Segurei-a pela cintura e levantei seu corpo esguio e esbelto, levantando-me em seguida – Trouxe algumas coisas para você e para o Salen. E arrisco dizer que ele gostou bastante do chocolate que era para você.
- Você deu chocolate pra o Salen? – Hina deixou a mochila em cima de nossa mesa de vidro enquanto falava – Gatos não podem comer chocolate! Ele vai morrer!
- Menos, Princesa. Você sabe muito bem que o Salen ainda tem seis vidas.
- E por isso você vai gastar mais uma por um capricho? – Ela começou a chorar de verdade – Ele pode ser atropelado a qualquer momento também!
- Do que você está falando? Ele não vai morrer por causa de um ou dois chocolates. – Abracei-a e beijei sua testa – Deixe de bobagens!
Hina limpou as poucas lágrimas com a manga da farda do colégio e sorriu para mim. Era engraçada a facilidade que tinha para chorar, ainda bem que tinha essa mesma facilidade para parar. Mesmo por besteiras, me partia o coração vê-la chorando. Ainda mais por causa de um gato que não morreria tão fácil – graças a meu tio, que descobriu essa espécie, que realmente tinha sete vidas. E foi justamente por isso que pedi um filhote para presenteá-la em seu aniversário de 16 anos.
- Meu vestido está quase pronto! – Anunciou sorrindo.
- Que ótimo! Quando poderemos ir vê-lo?
- Não pode ver meu vestido ainda! Dá azar!
- Assim como nosso gato preto. – Revirei os olhos.
- AHH! Realmente! – Ela piscou duas vezes e eu gargalhei.
- Mas ele estava quase pronto semana passada. O casamento é semana que vem!
- Precisou de uns pequenos ajustes. – Hina abaixou os olhos e sorriu de leve.
Estranhei sua reação, mas não me importei. Não era a primeira vez que reagia assim nesse último mês.
Peguei as caixas, com os vestidos que havia comprado para ela, que estavam em uma de minhas malas – que eu não pretendia desfazer tão cedo – e coloquei na mesa, ao lado de sua mochila rosa.
- Os chocolates já estão no seu armário.
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Eu estava uma pilha de nervos.
Abaixei-me próximo ao espelho frontal da mesa e conferi meu smoking. Minha gravata azul escuro estava no lugar – mesmo com aquela blusa com a gola bufante que eu odiei –, a flor branca no paletó... Mas eu ainda sentia que havia esquecido alguma coisa, e não era o gel, que minhas irmãs queriam me obrigar a usar.
- Será que ela ainda vai demorar muito? – Perguntei a Kaname e Lyra, que estava a alguns metros a minha direita.
Lyra estava com um vestido longo vermelho-sangue que realçava seu colo com as alças caídas lateralmente. Kaname usava um terno também preto, com uma gravata que combinava com a cor do vestido de sua acompanhante. Nossos padrinhos de casamento. Não haveria ninguém para ocupar os postos se não eles. Por isso, aceitamos ter apenas um par de padrinhos.
- Ela não vai demorar. Só me deixou vir quando já está completamente arrumada. Se acalme. – Lyra tentou, mas quanto mais você ouve para ficar calmo, mais nervoso se fica. É sempre assim!
Olhei ao redor, esperando vê-la escondida atrás de alguma pilastra, mas apenas vi as mesas e nossos poucos convidados conversando. Apesar de ser um casamento à noite, o local estava muito bem iluminado e seria impossível se esconder com aquele cabelo roxo que possuía.
Comecei a bater o pé.
Meu pai ria no meu nervosismo, assim como minhas irmãs e meu cunhado Frederic. Os pais de Hina não compareceram a festa e também não atendiam nossos telefonemas. Ela sorria e dizia não se importar, mas sei o quanto isso a machucava.
Senti sua presença se aproximando. Meu coração disparou quando a vi, entrando na área coberta, de mãos dadas minha mãe, até o momento em que Mel deu uma pequena corria para se juntar à mesa com meu pai. Por alguns instantes, pensei que ela havia ido falar coisas desnecessárias, mas voltei a respirar aliviado quando Hina levantou o rosto sorrindo angelicalmente. Mel não havia falado nada de ruim, senão ela transpareceria na mesma hora.
Seu vestido era lindo. Tinha uma espécie de blusa por dentro, rosa claro, que deixava as alças com babados caídas, e o vestido principal, branco, com as alças iguais à da blusa, e a frente com detalhes em fita. Era curto e redondo embaixo, dando a impressão que usava anáguas por baixo dele. As sandálias finas e rosas eram presas apenas por tiras que subiam até os joelhos. Estava quase sem maquiagem. Não era necessária. O cabelo estava preso com algumas presilhas e duas mechas soltas na frente – o lugar em que seu cabelo era mais comprido –, que desciam lisas até a clavícula.
Abri o sorriso e melhorei minha postura. Ela caminhava graciosa e lentamente até mim. Seus olhos brilhavam como grandes diamantes – roxos. Juntou-se a mim e iniciou-se a cerimônia.
Para ser sincero, não ouvi uma só palavra do que o juiz baixinho disse. Só tinha olhos para Hina, que estava ainda mais bonita que de costume. Alguns minutos depois, não consegui me conter e perguntei o que havia acontecido. Ela cochichou que minha mãe a havia aceitado. Eu suspirei aliviado e o homem à minha direita soltou um pigarro, percebi que havia terminado de falar o nome de Hina.
- Sim! – Abri um sorriso para ele.
O juiz me olhou como se olha um maníaco fugitivo do manicômio, e Hina riu baixinho. Não pude deixar de rir com ela. Desta vez, ouvi a frase inteira, quando ele perguntou para ela se me aceitava como seu marido, etc.
- Sim. – Disse baixa e graciosamente.
- Eu te amo. – Sussurrei para ela.
- Eu também! – Apenas li seus lábios.
Mary, que parecia um anjinho ruivo com a roupa azul e prata, estendeu a almofada e nos entregou as alianças. Peguei a pequena e macia mão de Hina e coloquei a aliança prateada em seu dedo. Depois foi a sua vez de repetir o gesto.
- Eu os declaro marido e mulher. Pode beijar a noiva. – Anunciou o juiz, balançando o longo bigode quando sorriu.
- Não precisa falar de novo!
Hina corou com minhas palavras. Sorri e a puxei para perto de mim, juntando nossos corpos e dando um longo beijo nela. Um flash forte ao meu lado beliscou minha paciência e não sei por que me impressionei quando vi que Leon havia tomado a máquina de um dos fotógrafos.
- Você é chato, viu?
- Faço o que posso. – Ele deu de ombros e sorriu.
Balancei a cabeça e passei meu braço pela cintura de Hina, que caminhou comigo até a mesa de meus pais. Mel se levantou e me abraçou com carinho.
- Desculpa a mamãe pela idiotice dela desses últimos anos?
- Desculpo. Mas tenho que concordar que você foi idiota mesmo.
Ela me deu um tapa no braço, mas sua expressão era de brincadeira. Eu levantei as mãos e ergui o lado esquerdo da boca, já rindo.
- Não deveria falar assim com sua mãe. – Fingiu estar ofendida, mas sorriu e olhou para Hina – Soichiro me disse que sua noiva era maravilhosa. Todos os dias ele me falava para “parar com essa birra besta”.
- E você agüentou esse tempo todo?
Ganhei mais um tapa no braço.
- Sou teimosa! E você puxou a mim nisso!
- Ainda bem. – Admiti, passando a língua nos lábios – Precisamos falar com os outros convidados.
- Precisamos? – Hina não havia entendido, como sempre.
Eu a arrastei de perto da mesa de meus pais e a encostei na pilastra. Certifiquei-me de que ninguém conseguia nos olhar e a beijei.
- Estão tentando se esconder de quem?
Estiquei-me e vi, do outro lado da pilastra, Kaname, de braços dados com Lyra e rindo. Havíamos sido descobertos, e estávamos ali a menos de dois minutos.
- De todo mundo! Já nos gastaram o suficiente por hoje! – Balancei a cabeça enquanto respondia e me virei para Hina, ou pelo menos, para onde ela deveria estar. Ela havia passado por debaixo de meu braço e estava à frente de Lyra – Sacanagem!
Kaname riu da minha reclamação, mas aposto que Lyra fazia a mesma coisa!
Deixamos as garotas conversando um pouco. Meus antigos amigos do colégio também estavam lá. Falei de trivialidades com eles, e inventei de última hora que estava na faculdade de gastronomia – Hina pretendia fazer gastronomia – quando me perguntaram o que andava fazendo, de verdade, depois da escola. Eles não acreditaram muito, mas não insistiram mais.
- Boa noite a todos! – A voz de Hina soou pelo ambiente, amplificada pelo microfone em suas mãos – Somos o Help me!
- Que danada! – Suspirei rindo.
Hina estava num lugar parecido com um palco, atrás das mesas dos convidados – lugar que eu não tinha notado a existência até aquele momento. Os instrumentos estavam no palco improvisado e já estavam completamente instalados. Não sabia que cantariam, foi uma surpresa para mim. Puxei a cadeira de Anne e debrucei sobre a mesa.
A introdução foi feita por minha irmã. Hina a acompanhou e logo começou a cantar. Sua voz era doce, firme e totalmente afinada. Havia nascido para cantar, sem dúvidas. Ao final da música, todos aplaudiram de pé e pediram mais uma.
- Obrigada por gostarem! Fico muito feliz! – Hina estava radiante em cima do palco – Essa música agora vai pra aquele rapaz, que está largado na mesa.
Hina piscou para mim e sorriu. Algumas pessoas riram. Eu realmente parecia um homem abandonado, debruçado naquela forma na mesa. Estiquei as costas e me sentei como uma pessoa normal. Meu pai gargalhava freneticamente.
Tinha uma bela melodia e a letra também era linda. Mas só percebi que a música contava nossa história, de uma forma indireta, no segundo refrão. Uma lágrima escorreu pelo rosto perfeito de Hina, mas sua voz permanecia inalterada, e ela continuou cantando até o final. Levantei e caminhei até a frente do palco, onde ela ajoelhou-se e segurou minha mão, cantando e olhando diretamente em meus olhos.
A última nota instrumental foi tocada pela garota do teclado, e sem aviso prévio, Hina jogou-se nos meus braços. Abracei aquele ser delicado com carinho e beijei sua testa.
- Vamos sair à francesa? – Sugeri sorrindo largamente.
- Idéia excelente. – Ela ainda tinha os olhos úmidos.
Saímos de fininho da festa e a coloquei no banco do carona no antigo carro de Elizabeth. Agora ele era meu, mas não me desfiz da moto. Hina não gostava, dizia ter medo, mas eu estava ensinando-a a dirigir minha belezinha. Mesmo quando deixo a BMW com ela, não sai da garagem.
Hina olhava pela janela do carro enquanto eu dirigia de volta a nosso apartamento, e senti que pensava em algo sério, pois não havia falado nada desde que saímos de lá.
- Está tudo bem, Princesa?
- Sim. – Ela respirou fundo e virou-se para mim, parecendo tomar coragem para fazer algo.
- Sinto que algo te incomoda.
- Não é que incomode. Mas tenho algo importante para te falar e acho melhor você parar o carro.
- Parar o carro? – Gargalhei só de pensar na hipótese – Nada atrapalharia minha atenção na estrada. Podia ter uma mulher ao meu lado fazendo strip tease e eu conseguiria dividir a atenção perfeitamente.
- Bom saber. – Ela riu baixinho – Mas foi você quem pediu. – Respirou fundo novamente – Eu estou grávida.
Meu corpo inteiro gelou. Aquela era uma sensação estranha. Eu estava feliz e chocado ao mesmo tempo. Não esperava, não imaginava. Nunca houve um caso em que uma vampira transformada conseguiu gerar uma criança, por sua falta de metabolismo.
- David! Olha o carro!
Olhei para frente e percebi que havia deslizado a mão pelo volante, invadindo a pista contrária e quase provocando uma colisão frontal com outro carro. Hina puxou o volante a tempo, guiando o carro para a pista correta.
- Desculpe! – Eu estacionei no acostamento no mesmo instante – Acho que foi um pouco mais do que eu esperava...
- Eu avisei para estacionar. – Ela riu, com jeito de dona da razão.
- Eu estou tão feliz, amor! – Segurei seu pequeno rosto entre minhas mãos e a beijei varias vezes – Quando soube? Por que não me contou antes?
- Desconfiei de verdade semana passada, mas já tem um mês. É algo muito estranho... E mágico! Sinto que ele pode falar comigo. – Ela revirou os olhos – E minha
Comecei a me acostumar com a euforia em meu peito, e coloquei o carro para funcionar novamente.
- É uma garotinha? – Eu sorri. Sempre sonhei em ter uma filha garota. Acho que por influencia de minhas irmãs.
- Oh! Não! – Hina abaixou os olhos, colocando as duas mãos em sua fina e quase inexistente barriga – Ele se contorceu, dizendo que “não mesmo”!
- Nossa! Que sujeito revoltado! – Gargalhei – Vê se não maltrata demais a sua mãe, senão ela te coloca para fora antes do tempo!
- Ficou quieto. – Hina parecia não acreditar na mudança de humor de nosso filho – Engraçado, peço para ele parar e ele não para.
- Temos que pensar num nome para ele... – Comentei, revirando os olhos, já imaginando as alternativas que viriam pela frente.
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Achei que a noite do meu casamento sempre seria a que mais conseguiu me deixar ansioso, nervoso e fora de mim. Doce ilusão.
Eu não ouvia nada do que Kaname me falava. Continuava andando de um lado para o outro na sala de meu apartamento, como um peru em véspera de ceia. Olhava para cima, olhava para baixo, colocava as mãos no bolso, esfregava o rosto, jogava o cabelo para trás, chutava o sofá vazio e quase tropecei no tapete. Não conseguia me acalmar, não conseguia ficar quieto, não conseguia simplesmente sentar no sofá e esperar.
Hina estava em nosso quarto, com as portas fechadas e minha mãe e Lyra com ela. Vem em outra, Lyra abria a porta e me pedia para pegar algo. Eu corria para fazê-lo, e toda vez que pedia para entrar no quarto para ficar com ela, me impediam. Meu filho estava para nascer, caramba! Eu tinha todo o direito de estar junto.
- Você está me deixando com raiva, David. – Suspirou Leon, com o rosto apoiado na mão e de pernas cruzadas, sentando no sofá de um lugar amarelo da sala.
- Para quê você veio, afinal? – Eu ainda não aceitava sua cara de pau.
- Não perderia esse momento por nada, sabe disso. – Ele gargalhou convencido e pensei em pular em seu pescoço, mas Kaname ma impediu de chegar até ele.
- Você também não ajuda, não é, Leon? – Kaname suspirou, me virando de costas para ele e me guiando para o outro lado da sala.
Andei até a parede, me recostando na porta e encarando-a. A presença vampiresca de Hina expandiu-se seguida por um grito agudo seu. Corri até a porta e girei a maçaneta. Estava trancada.
- Lyra! Mel! O que está acontecendo ai?
- David, precisamos de mais algumas toalhas!
Lyra abriu a porta com velocidade e colocou o rosto anguloso para fora. Corri desesperado, pegando as últimas toalhas limpas que tínhamos em casa e entreguei-as.
- O que está acontecendo?
- Jack está nascendo! – Sorriu com entusiasmo.
Dizendo isso, voltou a fechar a porta. Bati duas vezes na porta e pedi para entrar, mas as três gritaram em coro que não. Respirei fundo e revirei os olhos.
- Elas não te querem lá. Pode desmaiar e deixar Hina mais nervosa. – Leon não calava a maldita boca.
Torci a boca e chutei a almofada de Salen, que estava no chão em cima dele. Leon a pegou a poucos centímetros de seu rosto e gargalhou. O gato me olhou insultado. Kaname balançava a cabeça, como uma babá que precisa ficar apartando a briga de duas crianças.
Ouvi Hina chiando baixo, parecia morder alguma coisa para abafar um grito. Aquilo me desesperou. Ela estava sofrendo muito. Eu sabia que tinha sido uma péssima idéia aceitar que o parto fosse em casa. Soltei o ar todo de uma vez, parecia um animal selvagem.
- O que será que está acontecendo lá dentro? – Leon se divertia em me espetar a paciência – Hina está tentando não gritar... Será que aconteceu alguma coisa ruim?
- Cala a boca, seu animal! – Gritei, perdendo o resto de calma que possuía – Minha arma favorita está logo na cozinha, sabia?
Ele gargalhou e Kaname o olhou com repreensão.
Mais um grito. Desta vez, não estava abafado, e foi longo e dolorido. Eu tremi e gelei por dentro. Seu grito fez minha alma gemer com ela. Senti meu controle vacilar, e meus olhos encheram-se de lágrimas. Olhei para cima, tentando respirar.
- Nasceu. – Anunciou Lyra, com a porta aberta e sorrindo satisfeita – Parabéns, papai. Seu filho é lindo!
Meu espírito ficou leve. Havia dado tudo certo, apesar de toda tensão sobre sua gravidez, e, principalmente, parto, por seu metabolismo humano inconstante. Hina teve uma gravidez tranquila, na realidade, mas eu sempre ficava tenso, com qualquer pequena contração. Tive muito medo durante os quatro meses. Sua barriga cresceu numa velocidade incrível do segundo para o terceiro mês. Lyra e minha mãe nos orientavam, cada uma compartilhando seus conhecimentos sobre gestação conosco. Não foi fácil, mas foi, certamente, prazeroso.
Entrei no quarto, tropeçando em meus próprios pés, e me deparei com nossa cama, com os lençóis cobertos de sangue, e Hina, vermelha e com a testa com gotículas de suor, com um pequeno embrulho nas mãos. Aproximei-me com cuidado. Ela olhou para mim e sorriu, colocando sua mão sobre o lençol em seus braços e o puxou com cuidado, revelando o pequeno rosto de bebê. Ele era realmente lindo. Sua pele era muito branca, e tinha as bochechas rosadas e redondas. O cabelo era apenas um pouco mais curto que o meu – não sabia que bebês podiam ter tanto cabelo – e a tonalidade era fidedigna. Parecia dormir.
- Ele é a sua cara. – Minha mãe terminava de arrumar as coisas que usara para fazer o parto – Espero que não tenha o mesmo gênio.
- Se não tiver, a convivência irá resolver isso. – Ri para ela e voltei a olhar a pequena criatura de bochechas rosadas, sentando-me ao lado de Hina na cama.
- Toma. – Ela me estendeu o bebê.
- Vou acabar quebrando-o, Princesa. – Não me deu ouvidos e deixou-o em meu colo – Como é leve!
Meu pequeno filho virou o rosto para mim e finalmente vi seus olhos grandes e redondos, como os da mãe, mas a tonalidade era verde. Ele me olhava com seriedade e parecia desconfortável em meu colo. Acariciei seu rosto e ele enfezou as sobrancelhas, começando a chorar no mesmo instante.
- Parece que Jack não gosta muito de mim. – Ri, enquanto ninava-o – Não ficou muito feliz em ver um homem logo em seus primeiros minutos de vida, não é? Eu também não gostaria... – Sussurrei ao ouvido dele a última frase.
Minha mãe e Hina riram com minha piada machista, sabiam que não falava sério. Para minha surpresa, ele olhou para mim e sorriu, dando uma risada gostosa e bebê e mostrando toda aquela gengiva.
- Que risada gostoosa! – Ele era tão bonitinho que tive vontade de morder de verdade, mas contive-me, e apenas o abracei um pouco – Bebês são tão engraçados...
Devolvi-o para os braços de sua mãe e beijei-a. Jack gargalhou, parecendo gostar do que viu. Eu olhei para ele e ergui uma sobrancelha. Beijei Hina novamente, e ele repetiu a ação.
- Danado ele...! – Gargalhei, levantando-me da cama.
- Jack-chan vai dar trabalho. – Hina concordou comigo, rindo.
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Um mês havia se passado, Jack crescia numa velocidade anormal. Já conseguia sentar na cama e os dentes frontais de cima já haviam nascido. Mamava feito um morto de fome nos seios cheios de leite de Hina. Era engraçado vê-la amamentando, ela não parava de rir! Pelo que parecia, ele não precisava sorver sangue, como a mãe. Isso me deixava menos preocupado.
Fora isso, fazia tudo por ele: colocava-o para dormir, dava banho, e até mesmo, trocava suas fraldas – Hina tinha horror a isso. Descobri que era muito fácil cuidar daquela coisa rechonchuda e risonha. Com a folga que consegui das missões de execução fora do país, pude aproveitar ao máximo meu filhote e minha princesa.
Tudo corria bem, mas algo me incomodava profundamente. Algo que não tem explicação e que me deixava aterrorizado, principalmente pelo histórico da família de Mel, que sempre previa quando desgraças estavam para acontecer. A sensação vinha e sumia, e assim ficou me atormentando pelas últimas semanas. Apesar de não saber o que viria, sabia que não era nada bom. Não contei nada para Hina, não a preocuparia sem necessidade. Descobriria sozinho e resolveria.
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Hina havia tirado o dia para fazer compras com Lyra, e eu brincava com Jack e Salen quando meu celular tocou. Deixei-os brincando e fiquei apenas observando enquanto recebia as ordens para o novo serviço. Eles se davam muito bem. Salen parecia o animal de estimação perfeito, com o bebê, era mais brincalhão que um cachorro, mas continuava cuidadoso, e não deixava que caísse para trás, levando boas empurradas com isso. Salen era uma gracinha.
A missão era igual a todas as outras. Não agüentava mais ter que lidar com tantos vampiros que haviam perdido o controle. Eles sempre davam trabalho e tentavam me convencer de sua inocência. Isso gasta minha paciência. Falei que não poderia ir atrás da vampira naquela noite, por causa de minha esposa, mas meu protesto não havia sido aceito. Fora tido como um caso que merecia urgência, pois a vampira bebia todo o sangue, dilacerava os corpos e os largavam a sua própria sorte, não importando o local do ataque. Desliguei e caminhei para os pequenos que brincavam no chão.
Jack puxava as orelhas do gato, que miava desesperado. Corri até os dois e segurei as pequenas mãos de Jack, falando firme com ele, que não deveria puxar as orelhas do pobrezinho. Ele me olhou sério, mas parecia ter compreendido.
Ouvi um barulho na janela, que pareciam mãos que se agarravam à parte metálica, e levantei alarmado, já pegando a arma Hunter que sempre estava presa ao meu cinto. Não havia presença sobrenatural. Abri a janela e olhei ao redor, mas não vi nada fora do comum à vista. Fiquei algum tempo estudando a janela quando ouvi novamente os gritos de Salen.
Corri novamente até os dois, mas antes que pudesse separá-los, as garras de Salen já haviam voando na perna de Jack. O machucado começou a sangrar no mesmo instante. Peguei Salen do chão, segurando-o pela coleira vermelha de couro e o coloquei dentro do banheiro social. Voltei para Jack com uma de suas faldas de tecido na mão, esperando coagular o sangramento.
A fralda escorregou de minha mão quando vi que não havia nem sequer cicatriz no local antes ferido. Peguei a fralda do chão e sequei o sangue que restara em sua perna. Jack me encarava com seus grandes olhos verdes e ria, como se nada tivesse acontecido.
Minha cabeça girou. A sensação ruim havia voltado, mais forte que das outras vezes, era avassaladora. Coloquei a mão sobre a testa e fechei os olhos. Quanto mais a data se aproximava, a má sensação se intensificava. Eu ainda não fazia idéia do que era, e isso me deixava ainda mais aflito.
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À noite, quando Hina chegou em casa, Jack já dormia. Ela tentou me surpreender, chegando no escritório pelas minhas costas e pisando leve, eu já tinha aceitado fingir cair na dela, mas Hina bateu o braço num armário e derrubou os livros que estavam em cima. Sua cara de espanto foi maravilhosa. Eu a ajudei a recolher os livros e ri com ela.
- Como foi no shopping? Comprou tudo que queria? – Perguntei, largando os livros amontoados em cima da mesa e a abraçando.
- Quase tudo... Mas comprei coisas demais, quase não tinha mão para carregar tudo. – Admitiu, rindo e me beijando.
- Jack já está dormindo. Descobri hoje que ele tem o poder de cicatrização como o dos vampiros. – Hina sorriu entusiasmada com a minha descoberta – O Salen fez um pequeno arranhão nele.
- Salen deve ter descoberto que é meu filho. – Ela me beijou novamente, jogando meus cabelos para trás. Eu já sabia o que isso significava.
- Hoje não posso, amor. Tenho mais uma missão. – Suspirei, acariciando seu rosto com as mãos.
- Mais uma? O conselho nunca vai te dar uma folga de verdade?
- Com sorte, encontro ela rápido e volto logo para casa. – Beijei sua testa e me afastei, indo para o armário que guardava meus equipamentos.
- Já vai agora? – Ela ficara decepcionada.
- Sim. – Olhei para ela, suspirei e voltei a carregar meus bolsos – Desculpe. Volto logo. É uma recém criada que não tem táticas de luta, mas está matando muitos civis. Não será problemas. – Tentei animá-la com um sorriso. Beijei-a novamente – Comporte-se enquanto eu estou fora.
- Está bem. Vou ver se durmo um pouco. Todo aquele Sol me deixou cansada.
- Bons sonhos meu amor. Não vou te deixar dormir muito, não se preocupe.
Rimos. Ela entendeu o que eu pretendia.
Caminhei até a porta, e quando esperava o elevador no cubículo que era o hall do andar, a sensação veio novamente. Cai de joelhos no chão. Imagens cheias de sangue vieram a minha mente. Eu apertei os olhos, tentando, inutilmente, me livrar das imagens. Respirei fundo, com a esperança de me acalmar, mas o que sentia era tão ruim que espremia meu coração.
Voltei para falar com Hina. Sentia como se nunca mais fosse vê-la, não importa o quanto lutasse ou tentasse mudar meu destino. Eu tremia só de pensar em estar certo. Senti que iria morrer naquela noite.
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O apartamento já estava completamente escuro, apenas as luzes de fora iluminavam a sala. Encontrei-a tirando a saia de pinças no quarto. Abracei-a por trás e encostei minha testa em seu ombro. Ela soltou um gemido abafado, eu a havia assustado.
- Que susto, Príncipe! – Senti seu coração acelerado – Não tinha que ir?
- Me promete uma coisa? – Minha voz saiu mais baixa que o normal, apesar do meu esforço.
- Qualquer coisa. – Disse melodiosamente, se acalmando aos poucos.
- Se eu morrer... Promete que seguirá sua vida, sendo linda e feliz, como é hoje?
- Do que você está falando?
- Apenas me prometa isso. É importante, amor. – Minha voz falhou.
- Prometo, mas pare de falar assim, por favor. Não gosto nem de pensar na hipótese de viver sem você. – Ela virou-se de frente para mim e se aninhou em meu corpo.
- Você precisa ser forte. – Mas eu não fui. As lágrimas escorreram por meu rosto e caíram em seu ombro nu.
- Príncipe, do que você está falando? – Hina levantou os olhos, sua expressão estava confusa, não entendia o que eu dizia – Por que está chorando? Você não chora por besteira. Me conte.
Não tive coragem para lhe contar sobre o que sentia.
Dei as costas e saí de casa. Hina chamou por meu nome e eu não me virei. Ela caminhou até mim, e eu parei.
- Por favor, não venha comigo. Tome conta do Jack. Ele precisa de você! – Meu peito estava comprimido.
Hina não disse nada, apenas voltou para o quarto de forma obediente. Agradeci por esse jeito dela. Não podia suportar a idéia de deixá-la em perigo. Liguei para Lyra, e pedi que fosse para nosso apartamento ficar com Hina. Também não lhe contei o que acontecia, mas ela não fez perguntas e pediu para que deixasse Hina e Jack em suas mãos. Eu não tinha palavras para agradecer.
Sai pela porta, disposto a enfrentar o que aparecesse.
Faria de tudo para voltar para casa, voltar para minha família.
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Corri pela cidade, buscando pela presença da vampira responsável pelos últimos ataques. Senti uma presença, que imaginei ser a dela, e fiquei estacionei a moto onde estava para preparar a armadilha. Aquela rua sem saída e escura parecia perfeita para fazer meu trabalho sem testemunhas.
Peguei o vidro que estava no bolso interno de meu sobretudo favorito e joguei o conteúdo transparente no chão. Em breve, ela estaria no local, seduzida pelo cheiro. Sempre funcionava desta forma. Sentei-me na calçada, próximo a uma árvore, decidido a esperar que ela aparecesse logo.
Quase uma hora se passou e nem sinal. Minha paciência se esgotou. Levantei dali e voltei a caminhar. Com sorte, encontraria sua presença e poderia segui-la. O estalar de um pequeno graveto me fez olhar para trás, sobressaltado.
Ela estava contra a luz. Era uma garota alta e magra, com os cabelos lisos e muito compridos, chegando aos joelhos. Caminhou mais alguns passos, diminuindo a distância entre nós e sorriu larga e maliciosamente. Usava uma calça de couro preta justa e um casaco pesado. Demorei a reconhecer seu rosto.
- Mimi, o que está fazendo aqui? – Disse, tirando a mão da arma que estava presa em meu, cinto por reflexo.
- Limpeza.
Ela fez um movimento de cruzar os braços e os puxou para frente, revelando duas armas de cano duplo, que disparou no mesmo instante que as vi. Pelo meu bom condicionamento físico, consegui desviar dos tiros com alguns movimentos. Mas sua ação hostil me pegou de surpresa.
- Vou interpretar isso como um ‘olá’ da minha mestra, após tantos anos sem nos vermos. – Não queria perder o bom humor.
- Você mancha a boa reputação dos Vampire Hunter. – Sua voz era seca – Como pode ter se casado com uma sugadora?
- Isso não é da sua conta. – Sorri.
- Você aprendeu muito comigo. É lógico que é da minha conta!
- Herdei muito mais do talento da minha mãe do que aprendi com você. Não se gabe por isso.
Mimi atirou novamente e eu desviei, apoiando as mãos no chão e jogando o corpo para o lado. Era parecia furiosa com a facilidade que escapava de suas investidas.
- Você me envergonha, David. Por que acha que pedi para sair, sendo que tinha tudo para ganhar um ótimo lugar na mesa principal do Conselho?
- Você não aguentou a pressão. É normal pessoas fracas desistirem de uma carreira promissora por não agüentarem seu peso.
Ela escorregou o dedo pelo gatilho, mas eu estava cansado de sua brincadeira infantil. Abaixei, desviando os primeiros projéteis, pegando uma corrente de metal que estava próxima ao seu pé, e levantei envolvendo sua perna esquerda com ela. Puxei e ela foi ao chão de costas.
- Não quero te machucar, Mirian. Fiquei muito mais forte esses últimos anos, você não sabe com quem está lidando.
- Continua sendo o mesmo garoto bobo por dentro, não amadureceu nada. – Mimi deu uma cambalhota reversa e estava de pé novamente.
Ela ainda segurava as armas, mas desta vez, as apontava para o chão. Nos encaramos por algum tempo, sérios, até que ela investiu contra mim novamente, correndo e atirando. Corri até ela, desviei dos primeiros tiros, mas antes de consegui chutar suas mãos, ganhei o último tiro no ombro esquerdo.
Levei a mão ao ombro ferido e ri. Aquele não era o primeiro tiro que ganhara disparado por minha prima, e, pelo visto, não seria o último. Mimi tentou pegar as armas, mas eu as chutei para longe, pegando minha arma, e ela me olhou com raiva. Eu apontei-a para Mimi, que engoliu em seco.
- Você sabe muito bem por que odeio os vampiros David!
- Muitas filhos de Hunters tem os pais mortos por vampiros, Mimi! Este é um risco da profissão! Você, melhor que ninguém, deveria entender isso!
- Eles me violentaram! O que eu, uma garota de apenas oito anos, tinha a ver com isso? – Seus olhos se encheram de lágrimas por um segundo, mas ela abaixou o rosto em seguida.
Eu não sabia que ela havia sido violentada por vampiros, na noite em que seus pais falharam.
- Isso não muda as coisas. Humanos também fazem isso, nem por isso você deseja matar todos eles. – Eu não distanciava a mira.
- Não importa. – Mimi voltou a olhar para mim, ignorando a arma apontada para sua cabeça – Você se juntou a eles. É um traidor.
Num gesto rápido, ela passou uma faca por entre os dedos, que, provavelmente, estava escondida em seu casaco, e fez um pequeno corte em meu tornozelo. Teria sido um corte feio caso não tivesse puxado o pé um segundo antes. Assim que me estabilizei no chão após o impulso, apertei o dedo no gatilho, acertando sua perna esquerda.
Mimi soltou um gemido de dor e voltou a me olhar.
- Você vai morrer, David. Não adianta lutar.
- Não vai conseguir me atingir de verdade, conheço todas as suas técnicas ultrapassadas. Pare de se torturar e vá para casa. – Disse rindo, apesar do frio na espinha que aquela frase me causou.
- Está enganado. Tenho você em minhas mãos. – Sua voz estava possuída por uma felicidade ensandecida.
- Do que está falando? – Cerrei os olhos, sem acreditar muito em suas palavras.
- Olhe para o início da rua.
Apurei minha visão para a esquina, onde vi uma silhueta feminina com algo nos braços, que caminhava lentamente em nossa direção. Aquele formato de corpo me era familiar... Hina? Uma luz mais próxima revelou seu rosto, que reconheci de imediato.
- Dark. – Meu coração palpitou ao ver um lençol familiar em seus braços.
- Olá, dear. – Seus lábios cobertos de batom vermelho se esticaram num sorriso – Vejo que sabe esquivar muito bem. Mas fico imaginando o que faria se a vida de seu pequeno meio-vampiro estivesse em minhas mãos.
Ela puxou o lençol e vi o pequeno rosto de Jack. Ele permanecia adormecido e com as bochechas rosadas. Meu mundo desabou naquele momento.
- Onde está Hina? E Lyra? Quando você soube...?
- Eu aluguei o andar debaixo do de vocês. Foi muito fácil descobrir falhas no seu sistema de segurança, David. – Mimi estava ao meu lado e olhava Dark, orgulhosa de seu plano.
- Eu percebi que havia algo estranho, então Mimi me contou a verdade. E elas não viram quando entrei pela janela e peguei o bebê. Hii-chan é uma aluada, sempre foi. A janela estava aberta, foi fácil demais.
- Pare de falar. – Mimi revirou os olhos e apontou uma arma menor para mim – Faça logo o que tem que fazer.
Apontei minha arma para ela. Hika fez um movimento e eu virei meu rosto para ela, que tirava da saia justa um punhal, e a aproximou do rosto de meu filho.
- Solte-o. – Disse o mais calmo que pude. Joguei minha arma no chão, e em seguida, meu sobretudo – Sem truques, apenas solte-o, por favor.
- David, olhe para mim. – Mimi sorria de uma forma que me enojava – Quero vocês dois mortos. Um, pela traição ao clã; o outro, como o fruto dela, uma aberração.
Chutei sua arma e em seguida sua barriga, fazendo-a cair no chão. Abaixei-me junto a seu corpo e puxei seus braços para trás. Hika deu um passo para trás e seu olhar ela hesitante.
- Estou tentando negociar, não me faça perder a calma. – Respirei pesado – Eu te deixo inteira e não me defendo, mas em troca, quero meu filho a salvo. Se eu encontrar sequer um arranhão nele...!
- Você vai quebrar meus braços. – Ela não parecia me ouvir.
- Quero Jack em casa, com a mãe dele. – Minha voz saia dura e tensa.
- Ele estará a salvo. Me contento com apenas a sua morte. Tem a minha palavra. – Disse por fim.
Soltei-a, e Mimi caiu com o rosto no asfalto. Olhei para Hika, que parecia se divertir com a cena, sem tirar o punhal afiado da face de meu filho adormecido.
- Uma reação e seu monstrinho ruivo morre. – Ela levantou-se, pegando minha arma favorita e batendo com o cabo em minha nuca.
Eu caí de joelhos, completamente tonto. Ouvi os disparos seguidos da arma e senti minhas costas queimando, numa dor inexorável. Haviam mais oito balas em meu corpo. Minha visão ficou turva e a vi caminhando com Hika para o fim da rua.
- Não faço questão de ver seu último suspiro.
Foi a última coisa que ouvi, antes de sufocar com o sangue que estava em minha garganta e perder os sentidos...