quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

LH - Capítulo 01

  
- Por favor, não vá agora!
  
- Por favor, Luke-sama, continue conosco.
  
A loura monumental, que usava a minúscula lingerie vermelha, me segurou com suas delicadas mãos pelo braço. A olhei, cheio de pena pela despedida – pena, principalmente de mim, que estava indo embora contra minha vontade. Maldito compromisso marcado pela manhã. Peguei sua mão gentilmente e a aproximei do rosto, beijando suas costas.
  
- Sabem que não posso mais ficar... – Suspirei, perdido entre os pares de coxas que saiam por meu quarto – Garotas, sabem que essa não será a última vez... Mas eu preciso ir agora! Parem de torturar meu coração.
  
Uma, duas, três, quatro garotas de lingerie passaram pela porta e caminharam até mim, em câmera lenta, e me seguraram, puxando por minha blusa social que não havia acabado de abotoar. Olhavam-me daquela forma que não era capaz de resistir. Mulheres... Sabem exatamente como transformar a vida de um homem, para melhor ou pior. Eu, como bom amante, não poderia mais negar àqueles apelos tão insinuantes. Deixei que me levassem de volta ao quarto.
  
- Só mais dez minutinhos! – Disse-lhes, erguendo o indicador.
  
▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄
  
Passei os olhos pelo relógio. Não havia mais tempo para me divertir. Eram exatamente 10 horas e eu estava em casa, no meu quarto, e totalmente ocupado para pensar em procurar uma roupa adequada para a reunião. Duke deveria estar louco naquele exato momento, soltando cobras e lagartos em sua pobre assistente pela minha ausência. Era sempre assim. Depois me desculparia com ela, mais uma vez.
  
Era impossível sair sem ser percebido. Era o único homem no quarto com as oito lideres de torcida do meu colégio. Teria que me despedir, desta vez, bem rápido. Foi difícil, mas o fiz. Não fui capaz de olhar para trás ao fechar a porta, mesmo ouvindo suas reclamações chorosas.
  
Saí velozmente pelo longo corredor e parei instantaneamente na porta da sala de jantar, onde Anita, minha antiga babá e governanta da casa, polia, cantarolando uma melodia antiga, os cristais que Susanne tanto gostava de colecionar. Sorri largamente, e me dei ao luxo de perder mais estes minutos surpreendendo-a, beijando sua bochecha enrugada.
  
- Mestre Luke, pare de gracinhas! – Repreendeu-me sem tirar os olhos do prato de cristal em suas mãos.
  
- Você poliu essas coisas semana passada, Anita! Acho que está ficando com TOC. – Disse, tentando segurar o riso quando ela dobrou minha orelha – Não, não, não! Não foi para isso que parei aqui! Tem algumas garotas lá no meu quarto e...
  
- Já sei, Mestre Luke. Sempre faço sala para elas, não é? Quantas são desta vez? – Anita era um anjo, sempre me ajudava nessas horas.
  
- Oito...?! – Falei baixo, fazendo careta, torcendo o nariz e a boca.
  
- Você está cada vez pior...! – Ela arfou, me olhando horrorizada – O que sua mãe diria se soubesse o que você anda aprontando?
  
- Susanne só não descobre porque não quer. Eu não escondo! – Dei de ombros e beijei sua bochecha novamente – Agora preciso ir!
  
- Você está suado, rapaz! Pretende ir para uma reunião assim?
  
- Não tenho escolha! Sabe que só tomo banho com meus produtos, e não posso voltar para meu quarto agora, senão não saio de lá hoje. – Fechei os olhos, e suspirei, lembrando-me da troca infeliz que estava fazendo.
  
Anita balançou a cabeça em desaprovação e seu coque grisalho nem sequer se movera. Voltei a correr, abotoando a camisa social de mangas curtas que me havia sido arrancada alguns minutos atrás.
  
A empresa ficava a apenas um quilômetro de minha casa, daria tempo de chegar antes que alguém – como Duke – quisesse cortar minha cabeça. Em apenas dois minutos eu já estava subindo o elevador, mas estava exausto, corri com todo meu – anormal – potencial. Acho que consegui atingir 210 km/h naquele dia.
  
Os berros altos da direção chegavam à recepção da sala, e a pobre secretária tremia a cada nova reclamação. Daisy estava sozinha. Passei por ela, puxando a presilha que prendia seus cabelos lisos castanhos para trás e dei-os liberdade. Ela ajeitou os óculos e me olhou com repreensão.
  
- Devolva, Luke! E vá logo! O diretor está uma fera com você! – Ela pegou a presilha de minhas mãos com raiva.
  
- Calma, Darling! Eu sei como amansar a fera! – Eu me sentei em sua bancada, colocando a mão em cima da agenda que ela arrumava e sorri – ... Desculpe pelos gritos dele. Espero que não esteja chateada comigo. – Passei a ponta de meu indicador esquerdo no decote de seu blazer social.
  
- Não é hora para isso! E sim, irei ficar se não for lá agora!
  
Respirei fundo, revirando os olhos e dando um pequeno peteleco no primeiro botão de sua roupa, fazendo-o soltar e oferecendo mais lugar para que seus seios respirassem. Ela me olhou séria.
  
- Deveria te denunciar por assédio.
  
- Não faria isso. – Afirmei porque tinha certeza disso. Se ainda não tivesse passado um dia de folga comigo, quem sabe...? – Te pego depois do expediente?
  
- Sim. – Daisy olhava concentrada para o botão de sua roupa, colocando-o em sua casa.
  
Levantei da mesa com um salto e abri a porta de metal da sala da diretoria. Duke me olhou com ira, passou a mão rudemente pelos cabelos lisos e vermelhos e caminhou até mim, soltando fogo pelas orelhas.
  
- Você é um irresponsável, sabia? Se não fosse meu filho, já o teria colocado para fora desta empresa! Você sabe cumprir horários? E que suor é esse?
  
- Acalme-se, Duke! – Eu sorri tranquilamente para ele, acompanhando-o até a sala de reuniões – Tive um pequeno imprevisto em casa.
  
- Sei muito bem dos seus imprevistos...! – Dizia amargamente, mas sei que no fundo, tinha inveja do que eu fazia. Pegou uma toalha de seu armário metálico e a jogou para mim – Os sócios estão assistindo a apresentação de Asch, que falaria depois de você. – Sua ênfase no “depois de você” quase me fez sentir culpa por ter chegado atrasado. Quase. – Ele sim é responsável!
  
- Adote-o! – Eu gargalhei, mas Duke não havia achado graça.
  
Chegamos à – escura – sala de reunião, que tinha quatro homens engravatados sentados à mesa, com blocos de anotações em suas frentes, no qual um deles escrevia incessantemente; e ao lado da projeção dos slides na parede, estava Asch, impecavelmente arrumado com o terno de linho e o cabelo vermelho escuro preso num rabo de cavalo baixo. Seus olhos verdes se cruzaram com os meus, mas ele continuou a falar profissionalmente para os homens. Acho que fiquei irritado com sua frieza. Aliás, não foi só isso que me perturbou... Ele estava mais alto que da última vez que o vira? Isso era inadmissível! Mais novo que eu e mais alto?!
  
Encostei-me à porta, joguei a toalha que havia secado meu suor numa das cadeiras vazias e cruzei os braços. Fiquei quietinho ouvindo sua apresentação. Meu primo falava bem e se esforçava pela empresa, não era como eu, que tinha tudo para herdá-la e não a queria. Asch deveria ser o filho do diretor, não eu. Pela ordem, a empresa seria minha, pois sou mais velho que ele quase dois anos. Uma regra maluca de família maluca. Eu acabaria com os negócios em um semestre, todos sabiam disso!
  
As luzes se acenderam assim que os slides terminaram, Asch cumprimentou os senhores com educação e caminhou para perto de mim e de Duke. Olhei para meus pés enquanto ele era parabenizado por meu pai.
  
- Está me devendo uma. – Disse friamente.
  
- Não conte com isso. – Levantei os olhos e ele me encarava de forma intimidadora. Engoli em seco – Preciso ir me apresentar.
  
Ele tirou o elástico de seus cabelos e colocou no pulso, virando-me, juntando meus longos cabelos e prendendo-os, da mesma forma que os seus estavam anteriormente. O olhei cerrando os olhos.
  
- O que pensa que está fazendo?
  
- Estou te colocando mais apresentável. Agora vá. – Ele empurrou meu ombro e eu comecei a caminhar – Não é nada bonito ficar se atrasando e ainda chegar desarrumado.
  
- Quem se importa? – Virei o rosto de lado e falei baixinho, sei que me ouviria.
  
Enquanto apresentava, não olhei para seu rosto, Asch sempre fora sério demais, e isso me desconcentrava e me fazia gaguejar. Sei que o que falava sobre as ações da empresa estava um lixo, mas eu não me importava. Terminei o mais rápido que pude, e assim que me despedi dos homens à mesa, olhei para meu Duke, que parecia realmente irritado. Ah, ele não mudava nunca.
Caminhei até a porta sem olhar para trás e o barulho de uma cadeira de metal saindo do local que estava e da pessoa levantando. Fechei a porta logo atrás de mim e caminhei passadas largas de volta à diretoria. O som de passos, que não os meus, me seguia. Eu sabia exatamente quem era. Entrei no banheiro individual da sala e antes que pudesse fechar a porta, uma mão a segurou, impedindo que empurrasse mais. Não adiantaria tentar medir força, apenas iríamos acabar destroçando a porta, que não tinha nada haver com aquilo, soltei-a e deixei que Asch a abrisse, e entrasse no banheiro comigo, fechando a porta às suas costas e me encarando seriamente.
  
- Que coisa feia. – Ele colocou a mão na parede e me olhou.
Asch me virou de costas, juntando minha face à parede e aproximando seu rosto do meu pescoço – pude sentir seu hálito quente. Aproximou sua mão de meu rosto e tocou meu pescoço com firmeza.
  
- Não ouse...! – Ameacei, fechando os olhos e franzindo o cenho.
  
Com a mão direita, Asch puxou seu elástico de meu cabelo, que rebelde, se espalhou por minhas costas instantaneamente. Ele passou a mão pela minha testa, jogando minha franja para o lado, arrumando-a e espetando-a do jeito que eu sempre deixava.
  
- Ele é meu, lembra-se? – Falou rápido, e eu não ousei me mexer.
  
Não senti mais a proximidade de seu corpo e abri os olhos com receio. Eu estava sozinho no banheiro, com as mãos e a bochecha direita à parede e com a porta completamente aberta.
  
- Filho da mãe. – Sussurrei por fim.
  
Olhei-me no espelho. Meu longo cabelo ruivo continuava rebelde na franja e no topo de minha cabeça, e sem nem sequer uma marca do elástico. Vendo meu rosto, lembrei do de Asch. Éramos muito parecidos, apesar de não termos nenhuma ligação sanguínea de verdade. O que tínhamos de diferente, fisicamente, era que seu cabelo era ruivo escuro, mais próximo ao vermelho, e o meu, laranja claro – oficialmente, porque sempre fui muito vaidoso e sempre cuidei com muito carinho do meu cabelo, e nestes últimos anos, mantive luzes desde as pontas, no quadril, até o meio das costas. Nossa família era dona de traços finos e delicados, com cabelos ruivos escuros e olhos verdes. Acho incrível que, mesmo sendo adotado, seguia o padrão físico a risca.
  
Sai do banheiro, desabotoando os primeiros botões da camisa e deixando-a aberta até abaixo de meu peito, e sentando na cadeira de Duke, que era a mais confortável de todo o prédio – méritos de tem o melhor cargo. Já havia aguentado pouco mais de meia hora aqueles botões me sufocando, odiava roupas sociais, sempre me apertando e deixando desconfortável. Odiava mesmo! Tanto, que não usava o uniforme do colégio inteiro, e passei todo o ginasial indo à sala do diretor para ouvir um monte de baboseiras – que na verdade, nunca ouvia, pois ficava olhando coisa melhor na recepção.
  
Coloquei meus pés sobre a mesa e os braços para trás, enquanto meu Duke não chegava para me dar sermão sobre a apresentação, como sempre. Aproveitei para pensar sobre minha rotina, que apesar de boa, e de me agradar profundamente em alguns aspectos, me cansava. Sempre as mesmas atividades, sempre as mesmas garotas... Elas me alegravam, mas eu queria conhecer gente nova, experimentar coisas novas. Como posso explicar...? Hm, comer pizza é bom, mas qualquer pessoa que come as mesmas pizzas todos os dias enjoa. É isso ai! Foi exatamente isso que aconteceu comigo! Cansei de comer as mesmas pizzas...
  
- Luke, não gostei de sua apresentação. – Duke entrou pela sala já puxando sua mesa e fazendo meus pés voltarem para o chão, deveria ter saído para acompanhar os sócios até o elevador do andar ou algo do tipo – Sei que tira notas excelentes no colégio, também se sai bem no basquete e nas aulas de línguas com suas professoras particulares... – Ele revirou os olhos na última parte.
Sempre consegui boas notas sem estudar e achava isso incrível. Quanto ao basquete, bem, apenas entrei por causa das líderes de torcida do time, e só aceitei o cargo de capitão pelo prestígio embutido com o título. Ele precisava falar das minhas professoras particulares? Ah! Qual é? Mulheres lindas, inteligentes e que iam a minha casa exclusivamente para me ensinar coisas novas...! Eu só podia aprender, não é?
  
- Sou um aluno aplicado. – Respondi sorrindo.
  
- Por que não se aplica assim à nossa empresa? Basta se esforçar um pouco e você consegue! Você tem potencial, Luke! Por que o usa apenas para o que lhe traz benefícios e fama com as mulheres?
  
- Só faço o que gosto, Duke. Não vou me obrigar a lutar por uma coisa que não quero. – Levantei de sua cadeira e me dirigi à porta.
  
- Você não quer herdar a empresa, – Ele me segurou pelos ombros, me encarando nos olhos, na tentativa frustrada de que eu cederia à sua chantagem psicológica – que está em nossa família há gerações, e, inclusive, é a responsável por toda a mordomia que tem?
  
- Não, não quero. – Doeu mais nele do que em mim falar isso – Nunca te enganei. Nunca disse que queria seguir com o negócio da família. Não me preocupo com nada disso e você sabe...
  
Minha frase foi cortada por um tapa que estalou em minha face. Eu vi o que ele iria fazer, meus reflexos eram magníficos, mas não desviei para não ferir – mais ainda – o orgulho de Duke. Não movi o rosto ao levar o tapa, apenas o olhei, sem diminuir o sorriso que lhe oferecia. Eu já tinha a situação sob controle.
  
- Você é um vagabundo. Nunca deveria ter aceitado te criar, eu avisei à Susanne que não era uma boa idéia adotar uma criança que foi deixada em nossa porta! Além de não ter o menor juízo, ainda tem... Esses poderes estranhos! Nenhuma pessoa normal pode correr como você ou mesmo ficar invisível! Às vezes me pergunto se você é mesmo um ser humano... – Parecia que não falava mais comigo e sim, com sua própria consciência.
  
- Se pensava assim, poderia ter me falado antes. – Dei de ombros – Sempre soube que você não gostava de mim de verdade, apenas me aturava por Susanne. Mas não se preocupe, sua aberração favorita felizmente deixará a casa ainda essa semana.
  
- Não estou te expulsando de lá. – Ele ainda falava com amargura.
  
- Não, não está. Mas eu estou saindo por vontade própria. Pode deixar que eu mesmo dou a notícia para Susanne!
  
- Luke, não saia de casa! Sabe como ela ficaria deprimida sem você, é seu único filho, apesar de tudo!
  
- Ela pode comprar um cachorro. Fará mais companhia que eu. Agora, quero ares novos. – Saí da sala, com um sorriso vitorioso no rosto.
  
Será que Duke ficaria muito chateado comigo pelo que disse? Apenas disse-lhe a verdade. Admito que a idéia de aproveitar sua bronca para sair de casa foi excelente, mas não queria que isso prejudicasse Susanne. Eu realmente gostava dela, apesar de seu jeito alegre, inocente e bobo de ver as coisas. Seria difícil falar com ela, sei que demoraria em parar de chorar.
  
Na recepção, Daisy me olhava apreensiva, havia ouvido os berros de meu pai. No mesmo segundo, estava ao seu lado, ela ficou em pé, e antes que pudesse falar algo, a puxei para perto de mim, segurando por seus cabelos e a beijando. Ela percebeu quando desci um pouco mais minha mão de sua cintura, tirando-a de seu pequeno bumbum.
  
- Por que tirou minha mão? Até parece que nunca fiz antes. – Dei de ombros.
  
- Meu chefe está do outro lado da parede, lembra-se?
  
- Oh, Darling... Não se preocupe com isso! – Sussurrei ao seu ouvido e ela não resistiu mais.
  
Voltei a beijá-la, até que ouvimos a baixa campainha do elevador, anunciando que ele abriria naquele andar, mas eu sempre fui rápido nessas coisas, não fomos flagrados. Um funcionário magricelo saiu com pilhas de papéis nas mãos – não sei como alguém com varetas, ao invés de braços, conseguia carregar tantos papéis – e jogou-os na mesa da morena. Ela passou os olhos para mim e deu de ombros. Despedi-me, dando um beijo em sua bochecha e indo até o elevador. O magricela me seguiu, dando uma pequena corrida desengonçadamente.
  
- Wow! – Ele arfou, arrumando a armação grossa de seus óculos no rosto, quando as portas do elevador se fecharam – Você é o filho do diretor, não é? Sou novo por aqui... E já soube de sua fama! Sou o Jim.
  
Olhei para aquele ser ínfimo – e, certamente, virgem – à minha frente, tentando ser simpático comigo. Apesar de considerar que minha fama chegasse até os novatos da empresa, uma coisa boa, fiquei impressionado com sua cara de pau.
  
- Ah, sou sim. E, o que quer comigo? – Eu não tinha tempo a perder com ele.
  
- Achei incrível como conseguiu sair com a garota de Design, a Emily! Eu vi quando ela entrou no seu carro semana passada. Dois dias seguidos!
  
- E...?
  
- Como consegue isso? Quer dizer, ela não me respondeu nem quando perguntei seu nome!
  
- Primeiramente, garoto, – Dei duas batidinhas em seu ombro, que ficava próximo ao meu tórax, fingindo não ter ouvido quando tentou me corrigir, repetindo seu nome. Como se eu me importasse... – tem que tirar esses óculos ridículos, malhar esses palitos que você chama de braços e aprender a falar com elas, sendo criativo, principalmente.
  
Ele olhou silencioso para o chão, talvez pensando na humilhação de seu corpo, quando comparado ao meu. Pobrezinho, o fiz ver a realidade de seu péssimo porte. As portas do elevador se abriram, havíamos, finalmente, chegado ao térreo. Dei as primeiras passadas para sair pela porta e ele me seguiu, ainda sem jeito, como se quisesse abusar mais do meu precioso tempo. O magricelo não aprendia mesmo, não é?
  
- E tem mais uma dica... – Ergui o indicador, e virei um pouco o rosto, olhando-o de canto – A Milly só sai com caras que, visivelmente, são bem dotados. Desista...
  
Pude ouvir quando sua respiração cessou com o choque. Eu continuei andando, até a porta da empresa e saí, gargalhando da inocência daquele rapaz que achou que uma mulher que já saiu com um cara como eu, iria olhar para ele. Coitado.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

HH - Capítulo 23 - Final





Ouvi um barulho vindo do quarto de Jack. Levantei do sofá da sala e Salen saltou do meu colo para o chão. Lyra também o ouvira e me assustei quando passou velozmente por mim – malmente a vi, tamanha sua velocidade. O televisor, que passava um programa humorístico, continuou ligado, agora às moscas.
  
Passei a mão pelo interruptor e acendi a luz. Todo meu fôlego e pensamentos sumiram no instante em que vi a cama de Jack vazia. Lyra estava com mais da metade do corpo para fora da janela.
  
- O-o-onde está meu filhote? – Meu queixo tremeu contra vontade.
  
- Hina-chan... – Ela virou-se para mim com os olhos apertados – Desculpe!
  
- Você não teve culpa. Precisamos encontrá-lo!
  
Corri para a janela e saltei. Lyra colocara algo em meu bolso quando cruzei sua frente. Não que meus vizinhos estivessem acostumados a ver duas garotas saltando pela janela do sexto andar e caindo intactas no chão, mas eles que fossem para o inferno! Eu queria meu Jack de volta.
  
Lyra foi por um lado, eu por outro, precisávamos cobrir a maior área possível. Nessa hora, amaldiçoei a mim mesma por não ter dado um jeito de fazer com que a presença de Jack fosse constante. Aquele não era o momento de chorar, mas meus olhos transbordavam enquanto corria, sozinha, pela cidade.
  
Olhei em casa esquina, cada beco, cada local possível dentro de um quilômetro do meu apartamento. Tudo em vão. Toda vez que ouvia um pequeno choro, olhava alarmada. Fiquei neurótica vendo uma jovem mãe que caminhava calmamente àquela hora, com seu filho nos braços.
  
Senti uma vibração no bolso lateral de meu macacão de malha e peguei o aparelho responsável, o celular de Lyra. Era uma ligação do celular do Kaname.
  
- Hina, estamos na rua dos fundos da Biblioteca Central. – Ele falava com seriedade – Venha rápido... – Parecia suplicar.
  
Desliguei o celular, colocando-o de volta no bolso e correndo a toda velocidade até a tal rua. Quanto menos falasse, mais tempo ganharia. No caminho, trombei com um carro, e ao olhar para trás, percebi o grande amasso que havia feito na lataria. Continuei correndo, e quatro quarteirões para chegar ao local, o vento que batia violentamente contra mm, trouxe cheiro de sangue humano. Um cheiro específico de sangue que só pertencia a uma pessoa. Minhas pernas fraquejaram quando tentei aumentar a velocidade.
  
Encontrei Melissa na esquina da rua, sentada no passeio e encolhendo-se, com uma arma semelhante a de David nas mãos. Seu cabelo estava desgrenhado e ela soluçava. Parei quase instantaneamente à sua frente.
  
- M-Mel! N-Não me diga que... – Eu estava conseguindo conter a dor em meu peito até aquele momento – Onde está David?
  
- Lá dentro. – Sua voz foi baixa e instável, ela nem sequer me olhou.
  
A cada passo que dava para dentro da rua, aquela aura me consumia. Vi Lyra, abaixada no chão e o corpo inclinado para frente, com os cabelos prateados caindo delicadamente e escondendo sua face – igual ao primeiro dia que me encontrei com ela. Adiante seu cabelo, consegui ver o corpo estirado no chão. Cai de joelhos no asfalto ao reconhecer o abdômen e as coxas, com as roupas ensopadas de sangue. Uma lata de lixo próxima a uma árvore soltava fumaça pelas pequenas falhas em sua tampa, parecia estar incandescente, Kaname não tirava os olhos de lá.
  
- Por favor, por favor... – Pedi baixinho, sem conseguir me mover.
  
Lyra virou-se para mim, com algumas mechas de se cabelo caindo pelo rosto, e seus os olhos estavam vivos pelo sangue.
  
- Estou tentando transformá-lo, a pulsação é quase inexistente, não sei se dará tempo.
  
- Tem que dar certo! – Com algum esforço, me aproximei do corpo inerte de David no chão e encarei sua linda face, marcada pelo sangue.
  
- Uma vampira tentou atacá-lo, logo depois de ter recebido alguns tiros, mas a Hunter chegou primeiro e a acertou. – Kaname não tirava os olhos na grande lata de metal à sua frente.
  
- Mel... – Eu olhei para o início da rua, mas não a vi.
  
Deitei-me no chão, próximo ao corpo de David e segurei sua mão direita. Onde estava seu calor? Sua mão estava gelada... Chorei baixinho, sem soltá-la.
  
- Leon sentiu o cheiro de Mimi e de sua irmã aqui, mas não as encontramos. – Lyra falava duramente, mas suas palavras pareciam ser uma espécie de acusação para si.
  
Abri os olhos sentei-me. Senti uma ira incontrolável crescer em meu peito, uma fúria que me consumia e que me cegou.
  
- Vou matá-las. – Aquela não era a mina voz, eu estava possuída.
  
Lyra não se moveu. Continuava a encarar David, verificando se sua tentativa havia dado certo. Levantei-me e saí dali, como um extinto selvagem. Eu estava sedenta pelo sangue daquelas vadias.
  
▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄
  
O celular em meu bolso tocou novamente, enquanto buscava o cheiro enjoativo de nicotina que minha irmã possuía. Não pensei em atender, estava com raiva demais para conseguir falar civilizadamente com qualquer um. Mais alguns minutos e encontrei seu cheiro. Seus sentidos se expandiram e segui o rastro. Uma presença se aproximou.
  
- Por que não atendeu? – Leon saltou ao meu lado, com a expressão séria.
  
Não respondi, continuei a correr. Ele me acompanhou, também pelo cheiro.
  
- Elas me enganaram, estava a pouco seguindo um rastro falso.
  
- Não há como não reconhecer o cheiro da minha irmã. – Minha voz saiu áspera e Leon respirou pesado.
  
- Tudo dará certo. – Tentou me animar.
  
- Só estará tudo bem depois que eu conseguir arrancar... – Não consegui concluir a frase.
  
O cheiro levava até um motel detestável, feito de madeira e fedendo a drogas. Não parei, continuei caminhando até me deparar com a porta em que seu cheiro era mais concentrado. O número 20, pendurado na porta, estava descascado e o 2 virado ao contrário. Chutei a porta e ela se quebrou em vários pedaços e lascas de madeira em minha frente. Leon encostou-se na parede e cruzou os braços, sem fazer questão de entrar comigo naquele momento.
  
Hika, sentada tranquilamente no sofá apenas virou o rosto para mim, sem parecer surpresa ao me ver. Eu a encarei e respirei pela boca. Seus olhos, cobertos de maquiagem pesada, se arregalaram ao ver minha expressão.
  
- Hii-chan, seu cabelo está empapado de sangue. Que nojo.
  
Ela não fazia idéia das barbaridades que pensei naquele momento, não fazia idéia do que pretendia para ela. Caminhei a passos lentos, encarando-a.
  
- A essa altura, já descobriu tudo não é? – Hika sorriu com malícia – Tenho algo a lhe contar.
Não me movi, e ela interpretou isso como consentimento.
  
- Presenciei tudo o que aconteceu com seu marido. E sei onde seu filho está.
  
Arregalei os olhos e no mesmo instante já estava à sua frente, carregando-a pela gola alta da blusa.
  
- Fale! – Meus dentes estavam cerrados, meus caninos cravados em minha gengiva.
  
- Nem relógio trabalha de graça, dear. Se me matar, quem mais tem a perder é você. – Odiava admitir, se não estivesse blefando, estaria certa – Apenas lhe direi se me der algo em troca.
  
- O que você quer?
  
- A imortalidade. – Seu sorriso foi largo.
  
Foi um banho de água fria. O que ela pretendia com isso?
  
- Seja breve, seu tempo está passando. Em poucos minutos tomarão uma localização que nem eu mesma sei.
  
Minha cabeça estava oca e meu coração cheio de mágoas. Segurei seu rosto – tive vontade de torcê-lo – e a mordi. Suguei seu sangue imundo o mais rápido que pude e ela desfaleceu em meus braços. Mordi meu braço com tamanha raiva que um pedaço de pele do meu pulso descolou. Joguei meu sangue em sua boca e esperei que acordasse novamente. Senti a desaprovação de Leon mesmo sem olhá-lo, mas o que eu poderia fazer? Estava desesperava.
  
Dark abriu os olhos. Levantou-se, afastando-se de mim e encarando-me com ar triunfante.
  
- Diga agora! – Minha voz foi chorosa de raiva.
  
- Eles estão no aeroporto, só sei isso.
  
Fechei o punho e o choquei contra o rosto de minha irmã. Ouvi seu maxilar deslocar. Sai do quarto e ouvi Leon anunciando para ela que a festa havia acabado.
  
▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄
  
Não conseguia parar de chorar quando cheguei ao aeroporto. Policiais tentaram me barrar, mas eu os arremessei violentamente contra a parede. As pessoas se afastavam, temendo por outro repentino ato violento.
  
Nenhum rastro. Era impossível que tivessem sumido desta forma. Corri até a lanchonete próxima a área de embarque e puxei uma das atendentes por cima do balcão. Ela não parava de gritar e implorar por sua vida.
  
- Viu uma mulher alta de cabelos negros com uma criança ruiva no colo? – Tentei falar de forma civilizada.
  
- Uma mulher com uma criança? – A garota não conseguia raciocinar – A-a-acho que vi.
  
- Ela embarcou?
  
- Si-sim! Chamou minha atenção, pois ela não carregava nada, apenas a criança. – Ela começava a parar de chorar – Já faz alguns minutos que entrou...
  
- Sabe qual o vôo?
  
- N-não!
  
A larguei rispidamente e ela caiu de costas no chão. Olhei para a porta de embarque. Alguém naquele aeroporto deveria saber seu paradeiro. Corri, procurando a gerência, e logo a encontrei. Entrei pela porta e vi Kaname digitando algo incessantemente no computador central da sala e o homem, que inferi ser o dono do posto, desmaiado no canto da sala.
  
- Kaname-kun?
  
- Estou tentando localizar a rota que está seguindo, e acredito que esteja no vôo que irá para a Antártida.
  
Sentei-me no chão e abaixei o rosto. Meu cabelo, coberto pelo sangue de David,encostou em minha bochecha. Lutei para não chorar.
  
- O vôo faz muitas estalas na Oceania. – Ele estava apreensivo.
  
Não ouvi seu celular vibrar ou tocar, mas ele levou o aparelho ao ouvido e arregalou os olhos.
  
- O que foi? – Levantei do chão e o encarei.
  
- Ela não embarcou. Ainda está no aeroporto.
  
- Jack...! – Suspirei. Meu coração saltitava de alegria.
  
- Não, Hina. Você não entendeu. Ela está sozinha.
  
▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄
  
Sabia exatamente onde encontrar Mirian.
  
Caminhei rapidamente até o último andar do subsolo. Haviam muitas pessoas – apesar da hora – mas a vi caminhando até um carro que estava estacionado próximo a rampa de acesso aos andares superiores. Preocupei-me em esconder minha presença durante a aproximação. Senti cheiro de sangue vindo de Mimi, e ela caminhava com dificuldade.
  
Apesar de perceber que estava ferida, lembrei-me da luta que tivera com Lyra há anos atrás e tive medo de um confronto direto. Era o mais prudente de minha parte.
  
Ela dirigia tranqüila, já saindo do estacionamento e passando pelo caminho que ligava o aeroporto à cidade. Aproveitei as árvores do bosque próximo à pista para me esconder e aguardar que passasse por ali. Pulei no capo de seu carro – senti o metal ceder sob meus pés – e, quebrando o vidro lateral, peguei no volante e o girei, tirando o carro da pista e fazendo-o cair em meio às árvores.
    
Um tiro atravessou meu pé, gemi de dor e saltei do carro, me abaixando junto à folhagem grossa do local. Mimi saiu pela porta amassada com a arma nas mãos trêmulas. Fiquei o mais calma que pude quando ela se aproximava de mim, sabia que não podia me ver naquela escuridão, não com aqueles olhos de mera mortal.
  
Seus olhos estavam desvairados, ela estava realmente fora de controle. Um pequeno esquilo passou por suas costas, e levou um tiro à queima roupa. Mimi virou-se para olhar o que tinha acertado. A oportunidade era única.
  
Saltei sobre suas costas, derrubando-a no chão e a golpeando, com uma mordia feroz no pescoço. Senti meus dentes penetrando seu pescoço e seu sangue inundando minha boca, puxei com violência, dilacerando sua carne e fazendo o sangue se espalhar pela terra. Ela urrou como um animal e eu me afastei com cautela, olhando o estrago que havia feito em seu pescoço. Estava ferida mortalmente, nada a salvaria.
  
Fechei os olhos e engoli o sangue que havia ficado em minha boca, sentindo o prazer em cada gota que escorria por minha garganta. Havia conseguido metade da minha saborosa vingança.
  
Ouvi um disparo, mas não fui capaz de desviar a tempo, sendo atingida no meio da barriga. Joguei-me para trás, evitando os seguintes disparos, e colocando a mão sobre o ferimento, que começava a coagular.
  
- Não vou morrer, estúpida. – Sua voz era engasgada e baixa, pelo ferimento na garganta.
  
- Game over, Mirian.
  
Aproximei-me lentamente, quando imaginei que a vida começava a esvair de seu corpo. Pisei em sua mão, e chutei a arma para longe. Não acreditava em zumbis, mas era melhor prevenir.
  
A encarei. Deitada, inerte, coberta de sangue, me encarando e faltando um pedaço da lateral do pescoço. De longe, era aquele ser que me causava tanto medo.
  
Seu coração ainda pulsava baixinho, mas não correria o risco de me afastar até ter certeza de que ela nunca mais se levantaria. Fazia questão de ver seu último suspiro... Sua morte.
  
▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄
  
Vi os carros da polícia e uma ambulância se aproximando de onde o carro havia caído inicialmente. Afastei-me dali com pressa. Eu estava coberta de sangue, não teria explicação. Não queria mais lutar. Minha tolerância de sangue já havia ultrapassado a média dos últimos anos. O celular de Lyra tocou e eu o atendi, com a voz fria e pesada.
  
- O que quer?
  
- Princesa? – A voz não passava de um sussurro.
  
Meu coração se comprimiu novamente. Se aquela fosse uma brincadeira de mau gosto, abriria uma exceção para matar o responsável. Não consegui dizer uma palavra sequer.
  
- Princesa? – Ainda sussurrava – Onde está?
  
- David!! – Não sabia o que pensar, muito menos o que dizer – Eu não acredito que deu certo! – Enquanto conversava, tentei correr, mas o som do vento atrapalhava no som – Onde está a Lyra?
  
- Está aqui do meu lado. Está com ciúmes? – Ele riu baixo, mas parou de repente.
  
- Morrendo. Você está bem?
  
- Sim, estou. – David deu uma pequena pausa – Eu não sabia que doía tanto para cicatrizar.
  
- Preciso de ter!
  
- Venha! Estamos na casa da Lyra. E venha logo, antes que ela me faça beber sangue. É insuportável pensar na possibilidade!
  
- Vou voando! – Ri – Eu te amo, Príncipe!
  
- Também te amo. – Suspirou.
  
Nunca um telefonema me fez tão feliz.
    
▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄
  
Quando vi o portão da mansão da Lyra, não pude deixar de sorrir e sentir meu coração palpitar como louco. David e Lyra já me esperavam, sentados na escada da varandinha. David estava com a blusa cheia de furos e completamente coberta por sangue seco, seus olhos brilhavam vermelhos. Saltei pelo portão e me joguei nos seus braços, ele gemeu de dor e eu me desculpei, totalmente constrangida, mas me abraçou de volta com muita ternura e me beijou.
  
Em seguida, me joguei contra Lyra – quase a derrubei no chão – e a abracei. Não sei quantas vezes agradeci, mas falei de coração. Ela havia salvado a minha vida, e agora, a de minha alma gêmea.
  
Algum tempo depois, enquanto David tomava banho, Kaname e Leon chegaram. Em primeira mão, Kaname nos narrou, como num telejornal, a chegada dos policiais à estrada do aeroporto, recolhimento do carro e do corpo. Haviam boatos de que fora atacado por um animal selvagem. Lyra me olhou, sorrindo.
  
Olhei para Leon, esperando que ele fizesse o mesmo, mas ele apenas gargalhou e disse que um dia me contaria o que fez. Foi cruel, me deixou curiosa.
  
David desceu as escadas, usando uma blusa de mangas longas branca e uma calça jeans. Era minha vez de ir tomar banho. Leon o encarou com raiva e depois para Lyra.
  
- Por que ele está com as minhas roupas?
  
- Queria que ele usasse as minhas? – Lyra rebateu torcendo a boca.
  
- E você? Por que aceitou usar roupas minhas?
  
- Ficar de toalha na cintura deixaria sua irmã constrangida, Kaname iria querer me matar de verdade. – David sorriu.
  
- Não seria má idéia. – Leon suspirou.
  
Subi as escadas e fui para meu antigo quarto, que permanecera da forma que havia deixado. Entrei no banheiro e deixei a água cair, levando a maior parte do sangue que estava em meu corpo e na roupa. Lembrei-me de meu pequeno filho, que havia sido levado. Tive medo por ele, tive saudades, tive culpa.   

Saí do banheiro, enrolada na toalha, soluçando de tanto chorar. David me esperava, sentado no chão, com as pernas cruzadas. Seus olhos vermelhos brilhavam naquela escuridão. Ele abriu os braços para mim e cai em seu colo, abraçando-o e chorando em seu peito frio.
  
- Vamos encontrá-lo. – Ele me disse baixinho no meu ouvido – Seja forte.
  
- S-sim. – Limpei os olhos – Jack voltará para nós.

HH - Capítulo 22


Pouco mais de dois anos se passaram desde o dia em que havia pedido Hina em casamento.
  
Peguei-me pensando sobre isso e não acreditei que estávamos juntos há apenas três anos. Ela e Lyra estavam para se formar e as coisas corriam na mais perfeita ordem. Até o insuportável do Leon parara de atormentar depois que saímos da casa da Lyra e nos mudamos para um apartamento que encontrei no mesmo quarteirão.
  
Meu trabalho como Vampire Hunter se intensificou desde que havia me formado, e eram raras às vezes em que conseguia passar um mês inteiro no Japão. Minha Princesa, com toda razão, reclamava das minhas viagens. Eu mesmo não gostava de deixá-la sozinha, mas o Conselho sempre me procurava como primeira opção para as missões com vampiros que haviam perdido o controle. Pelo menos, o pagamento era adequado.
  
Poucos caçadores conseguiam satisfazer as expectativas das missões. Causavam muitos problemas, pois, pela falta de treino, acabavam não fazendo um “trabalho limpo”. Mimi não estava mais na área, alegara insanidade há um ano e desde então não a vi mais nas reuniões. Também não faço questão de vê-la. Tudo o que podia me ensinar, ensinou antes de toda aquela confusão com meus amigos sugadores.
  
Era o mais novo na mesa do Conselho. Não agüentava mais ouvir os elogios sobre minhas habilidades e sensibilidade que tinha para os vampiros, e toda vez, ouvia uma comparação com o trabalho realizado por minha mãe, antes de se aposentar. Estava feliz por tê-la conseguido superar. Ela também dizia estar. Para os outros, não para mim.
  
Cheguei a ir a minha antiga casa algumas vezes, mas nunca mais conversei com ela. A vi algumas vezes de longe, e ela fingia não ter me notado no local. Mel sempre foi assim, boba. Apesar dos pesares, não queria ter brigado com ela por uma besteira. Hina nunca mais bebera sangue humano por mim, não havia por que se sentir ofendida quanto a isso. Queria vê-la em meu casamento. Mandei a observação, feita por meu punho, em seu convite.
  
Aliás, Hina estava descontando toda sua frustração, com minhas rápidas viagens, em nosso casamento. Eu falei que não me importava aonde seria, como seria, quando seria, muito menos pelo tipo de flor que ornamentaria as mesas! Apenas queria ser, oficialmente, seu marido. Tudo que ela escolhesse, para mim estava ótimo. Mas ela não entendia. E chorava, dizendo que eu não estava interessado por nossa festa.
  
Acho que ela só não ficava mais triste, por que podia cantar na banda que havia fundado com Anne há alguns meses. Hina era a vocalista e dividia o posto de guitarrista com minha irmã. Havia também outras duas ou três meninas, mas eu nunca prestava atenção nelas. Como era mesmo o nome da banda? “Help me!”, acho. Minha Princesa, como sempre, com sua criatividade aluada para as coisas. Eu adorava isso nela.
  
- Daviiiid!
  
Bastava falar. Ela sorriu de forma radiante e correu ao meu encontro, jogando-se em cima de mim e quase virando a pequena poltrona em que estava sentado. Aninhei-a em meu colo e beijei sua boca de veludo. Era tão bom ver aqueles olhos grandes, roxos e brilhantes novamente.
  
- Quando chegou? Por que não me ligou?
  
- Faz algumas poucas horas. Não ia interromper sua aula, não é? – Ela sempre me fazia rir.
  
- Poderia ter me dito que chegaria hoje! Iria te buscar no aeroporto! – Disse fazendo biquinho.
  
- Sem chance! – Segurei-a pela cintura e levantei seu corpo esguio e esbelto, levantando-me em seguida – Trouxe algumas coisas para você e para o Salen. E arrisco dizer que ele gostou bastante do chocolate que era para você.
  
- Você deu chocolate pra o Salen? – Hina deixou a mochila em cima de nossa mesa de vidro enquanto falava – Gatos não podem comer chocolate! Ele vai morrer!
  
- Menos, Princesa. Você sabe muito bem que o Salen ainda tem seis vidas.
  
- E por isso você vai gastar mais uma por um capricho? – Ela começou a chorar de verdade – Ele pode ser atropelado a qualquer momento também!
  
- Do que você está falando? Ele não vai morrer por causa de um ou dois chocolates. – Abracei-a e beijei sua testa – Deixe de bobagens!
  
Hina limpou as poucas lágrimas com a manga da farda do colégio e sorriu para mim. Era engraçada a facilidade que tinha para chorar, ainda bem que tinha essa mesma facilidade para parar. Mesmo por besteiras, me partia o coração vê-la chorando. Ainda mais por causa de um gato que não morreria tão fácil – graças a meu tio, que descobriu essa espécie, que realmente tinha sete vidas. E foi justamente por isso que pedi um filhote para presenteá-la em seu aniversário de 16 anos.
  
- Meu vestido está quase pronto! – Anunciou sorrindo.
  
- Que ótimo! Quando poderemos ir vê-lo?
  
- Não pode ver meu vestido ainda! Dá azar!
  
- Assim como nosso gato preto. – Revirei os olhos.
  
- AHH! Realmente! – Ela piscou duas vezes e eu gargalhei.
  
- Mas ele estava quase pronto semana passada. O casamento é semana que vem!
  
- Precisou de uns pequenos ajustes. – Hina abaixou os olhos e sorriu de leve.
  
Estranhei sua reação, mas não me importei. Não era a primeira vez que reagia assim nesse último mês.
  
Peguei as caixas, com os vestidos que havia comprado para ela, que estavam em uma de minhas malas – que eu não pretendia desfazer tão cedo – e coloquei na mesa, ao lado de sua mochila rosa.
  
- Os chocolates já estão no seu armário.
  
▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄
  
Eu estava uma pilha de nervos.
  
Abaixei-me próximo ao espelho frontal da mesa e conferi meu smoking. Minha gravata azul escuro estava no lugar – mesmo com aquela blusa com a gola bufante que eu odiei –, a flor branca no paletó... Mas eu ainda sentia que havia esquecido alguma coisa, e não era o gel, que minhas irmãs queriam me obrigar a usar.
  
- Será que ela ainda vai demorar muito? – Perguntei a Kaname e Lyra, que estava a alguns metros a minha direita.
  
Lyra estava com um vestido longo vermelho-sangue que realçava seu colo com as alças caídas lateralmente. Kaname usava um terno também preto, com uma gravata que combinava com a cor do vestido de sua acompanhante. Nossos padrinhos de casamento. Não haveria ninguém para ocupar os postos se não eles. Por isso, aceitamos ter apenas um par de padrinhos.
  
- Ela não vai demorar. Só me deixou vir quando já está completamente arrumada. Se acalme. – Lyra tentou, mas quanto mais você ouve para ficar calmo, mais nervoso se fica. É sempre assim!
Olhei ao redor, esperando vê-la escondida atrás de alguma pilastra, mas apenas vi as mesas e nossos poucos convidados conversando. Apesar de ser um casamento à noite, o local estava muito bem iluminado e seria impossível se esconder com aquele cabelo roxo que possuía.
  
Comecei a bater o pé.
  
Meu pai ria no meu nervosismo, assim como minhas irmãs e meu cunhado Frederic. Os pais de Hina não compareceram a festa e também não atendiam nossos telefonemas. Ela sorria e dizia não se importar, mas sei o quanto isso a machucava.
  
Senti sua presença se aproximando. Meu coração disparou quando a vi, entrando na área coberta, de mãos dadas minha mãe, até o momento em que Mel deu uma pequena corria para se juntar à mesa com meu pai. Por alguns instantes, pensei que ela havia ido falar coisas desnecessárias, mas voltei a respirar aliviado quando Hina levantou o rosto sorrindo angelicalmente. Mel não havia falado nada de ruim, senão ela transpareceria na mesma hora.
  
Seu vestido era lindo. Tinha uma espécie de blusa por dentro, rosa claro, que deixava as alças com babados caídas, e o vestido principal, branco, com as alças iguais à da blusa, e a frente com detalhes em fita. Era curto e redondo embaixo, dando a impressão que usava anáguas por baixo dele. As sandálias finas e rosas eram presas apenas por tiras que subiam até os joelhos. Estava quase sem maquiagem. Não era necessária. O cabelo estava preso com algumas presilhas e duas mechas soltas na frente – o lugar em que seu cabelo era mais comprido –, que desciam lisas até a clavícula.
  
Abri o sorriso e melhorei minha postura. Ela caminhava graciosa e lentamente até mim. Seus olhos brilhavam como grandes diamantes – roxos. Juntou-se a mim e iniciou-se a cerimônia.
  
Para ser sincero, não ouvi uma só palavra do que o juiz baixinho disse. Só tinha olhos para Hina, que estava ainda mais bonita que de costume. Alguns minutos depois, não consegui me conter e perguntei o que havia acontecido. Ela cochichou que minha mãe a havia aceitado. Eu suspirei aliviado e o homem à minha direita soltou um pigarro, percebi que havia terminado de falar o nome de Hina.
  
- Sim! – Abri um sorriso para ele.
  
O juiz me olhou como se olha um maníaco fugitivo do manicômio, e Hina riu baixinho. Não pude deixar de rir com ela. Desta vez, ouvi a frase inteira, quando ele perguntou para ela se me aceitava como seu marido, etc.
  
- Sim. – Disse baixa e graciosamente.
  
- Eu te amo. – Sussurrei para ela.
  
- Eu também! – Apenas li seus lábios.
  
Mary, que parecia um anjinho ruivo com a roupa azul e prata, estendeu a almofada e nos entregou as alianças. Peguei a pequena e macia mão de Hina e coloquei a aliança prateada em seu dedo. Depois foi a sua vez de repetir o gesto.
  
- Eu os declaro marido e mulher. Pode beijar a noiva. – Anunciou o juiz, balançando o longo bigode quando sorriu.
  
- Não precisa falar de novo!
  
Hina corou com minhas palavras. Sorri e a puxei para perto de mim, juntando nossos corpos e dando um longo beijo nela. Um flash forte ao meu lado beliscou minha paciência e não sei por que me impressionei quando vi que Leon havia tomado a máquina de um dos fotógrafos.
  
- Você é chato, viu?
  
- Faço o que posso. – Ele deu de ombros e sorriu.
  
Balancei a cabeça e passei meu braço pela cintura de Hina, que caminhou comigo até a mesa de meus pais. Mel se levantou e me abraçou com carinho.
  
- Desculpa a mamãe pela idiotice dela desses últimos anos?
  
- Desculpo. Mas tenho que concordar que você foi idiota mesmo.
  
Ela me deu um tapa no braço, mas sua expressão era de brincadeira. Eu levantei as mãos e ergui o lado esquerdo da boca, já rindo.
  
- Não deveria falar assim com sua mãe. – Fingiu estar ofendida, mas sorriu e olhou para Hina – Soichiro me disse que sua noiva era maravilhosa. Todos os dias ele me falava para “parar com essa birra besta”.
  
- E você agüentou esse tempo todo?
  
Ganhei mais um tapa no braço.
  
- Sou teimosa! E você puxou a mim nisso!
  
- Ainda bem. – Admiti, passando a língua nos lábios – Precisamos falar com os outros convidados.
  
- Precisamos? – Hina não havia entendido, como sempre.
  
Eu a arrastei de perto da mesa de meus pais e a encostei na pilastra. Certifiquei-me de que ninguém conseguia nos olhar e a beijei.
  
- Estão tentando se esconder de quem?
  
Estiquei-me e vi, do outro lado da pilastra, Kaname, de braços dados com Lyra e rindo. Havíamos sido descobertos, e estávamos ali a menos de dois minutos.
  
- De todo mundo! Já nos gastaram o suficiente por hoje! – Balancei a cabeça enquanto respondia e me virei para Hina, ou pelo menos, para onde ela deveria estar. Ela havia passado por debaixo de meu braço e estava à frente de Lyra – Sacanagem!
  
Kaname riu da minha reclamação, mas aposto que Lyra fazia a mesma coisa!
  
Deixamos as garotas conversando um pouco. Meus antigos amigos do colégio também estavam lá. Falei de trivialidades com eles, e inventei de última hora que estava na faculdade de gastronomia – Hina pretendia fazer gastronomia – quando me perguntaram o que andava fazendo, de verdade, depois da escola. Eles não acreditaram muito, mas não insistiram mais.
  
- Boa noite a todos! – A voz de Hina soou pelo ambiente, amplificada pelo microfone em suas mãos – Somos o Help me!
  
- Que danada! – Suspirei rindo.
  
Hina estava num lugar parecido com um palco, atrás das mesas dos convidados – lugar que eu não tinha notado a existência até aquele momento. Os instrumentos estavam no palco improvisado e já estavam completamente instalados. Não sabia que cantariam, foi uma surpresa para mim. Puxei a cadeira de Anne e debrucei sobre a mesa.
  
A introdução foi feita por minha irmã. Hina a acompanhou e logo começou a cantar. Sua voz era doce, firme e totalmente afinada. Havia nascido para cantar, sem dúvidas. Ao final da música, todos aplaudiram de pé e pediram mais uma.
  
- Obrigada por gostarem! Fico muito feliz! – Hina estava radiante em cima do palco – Essa música agora vai pra aquele rapaz, que está largado na mesa.
  
Hina piscou para mim e sorriu. Algumas pessoas riram. Eu realmente parecia um homem abandonado, debruçado naquela forma na mesa. Estiquei as costas e me sentei como uma pessoa normal. Meu pai gargalhava freneticamente.
  
Tinha uma bela melodia e a letra também era linda. Mas só percebi que a música contava nossa história, de uma forma indireta, no segundo refrão. Uma lágrima escorreu pelo rosto perfeito de Hina, mas sua voz permanecia inalterada, e ela continuou cantando até o final. Levantei e caminhei até a frente do palco, onde ela ajoelhou-se e segurou minha mão, cantando e olhando diretamente em meus olhos.
  
A última nota instrumental foi tocada pela garota do teclado, e sem aviso prévio, Hina jogou-se nos meus braços. Abracei aquele ser delicado com carinho e beijei sua testa.
  
- Vamos sair à francesa? – Sugeri sorrindo largamente.
  
- Idéia excelente. – Ela ainda tinha os olhos úmidos.
  
Saímos de fininho da festa e a coloquei no banco do carona no antigo carro de Elizabeth. Agora ele era meu, mas não me desfiz da moto. Hina não gostava, dizia ter medo, mas eu estava ensinando-a a dirigir minha belezinha. Mesmo quando deixo a BMW com ela, não sai da garagem.
  
Hina olhava pela janela do carro enquanto eu dirigia de volta a nosso apartamento, e senti que pensava em algo sério, pois não havia falado nada desde que saímos de lá.
  
- Está tudo bem, Princesa?
  
- Sim. – Ela respirou fundo e virou-se para mim, parecendo tomar coragem para fazer algo.
  
- Sinto que algo te incomoda.
  
- Não é que incomode. Mas tenho algo importante para te falar e acho melhor você parar o carro.
  
- Parar o carro? – Gargalhei só de pensar na hipótese – Nada atrapalharia minha atenção na estrada. Podia ter uma mulher ao meu lado fazendo strip tease e eu conseguiria dividir a atenção perfeitamente.
  
- Bom saber. – Ela riu baixinho – Mas foi você quem pediu. – Respirou fundo novamente – Eu estou grávida.
  
Meu corpo inteiro gelou. Aquela era uma sensação estranha. Eu estava feliz e chocado ao mesmo tempo. Não esperava, não imaginava. Nunca houve um caso em que uma vampira transformada conseguiu gerar uma criança, por sua falta de metabolismo.
  
- David! Olha o carro!
  
Olhei para frente e percebi que havia deslizado a mão pelo volante, invadindo a pista contrária e quase provocando uma colisão frontal com outro carro. Hina puxou o volante a tempo, guiando o carro para a pista correta.
  
- Desculpe! – Eu estacionei no acostamento no mesmo instante – Acho que foi um pouco mais do que eu esperava...
  
- Eu avisei para estacionar. – Ela riu, com jeito de dona da razão.
  
- Eu estou tão feliz, amor! – Segurei seu pequeno rosto entre minhas mãos e a beijei varias vezes – Quando soube? Por que não me contou antes?
  
- Desconfiei de verdade semana passada, mas já tem um mês. É algo muito estranho... E mágico! Sinto que ele pode falar comigo. – Ela revirou os olhos – E minha
  
Comecei a me acostumar com a euforia em meu peito, e coloquei o carro para funcionar novamente.
  
- É uma garotinha? – Eu sorri. Sempre sonhei em ter uma filha garota. Acho que por influencia de minhas irmãs.
  
- Oh! Não! – Hina abaixou os olhos, colocando as duas mãos em sua fina e quase inexistente barriga – Ele se contorceu, dizendo que “não mesmo”!
  
- Nossa! Que sujeito revoltado! – Gargalhei – Vê se não maltrata demais a sua mãe, senão ela te coloca para fora antes do tempo!
  
- Ficou quieto. – Hina parecia não acreditar na mudança de humor de nosso filho – Engraçado, peço para ele parar e ele não para.
  
- Temos que pensar num nome para ele... – Comentei, revirando os olhos, já imaginando as alternativas que viriam pela frente.
  
▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄
  
Achei que a noite do meu casamento sempre seria a que mais conseguiu me deixar ansioso, nervoso e fora de mim. Doce ilusão.
  
Eu não ouvia nada do que Kaname me falava. Continuava andando de um lado para o outro na sala de meu apartamento, como um peru em véspera de ceia. Olhava para cima, olhava para baixo, colocava as mãos no bolso, esfregava o rosto, jogava o cabelo para trás, chutava o sofá vazio e quase tropecei no tapete. Não conseguia me acalmar, não conseguia ficar quieto, não conseguia simplesmente sentar no sofá e esperar.
  
Hina estava em nosso quarto, com as portas fechadas e minha mãe e Lyra com ela. Vem em outra, Lyra abria a porta e me pedia para pegar algo. Eu corria para fazê-lo, e toda vez que pedia para entrar no quarto para ficar com ela, me impediam. Meu filho estava para nascer, caramba! Eu tinha todo o direito de estar junto.
  
- Você está me deixando com raiva, David. – Suspirou Leon, com o rosto apoiado na mão e de pernas cruzadas, sentando no sofá de um lugar amarelo da sala.
  
- Para quê você veio, afinal? – Eu ainda não aceitava sua cara de pau.
  
- Não perderia esse momento por nada, sabe disso. – Ele gargalhou convencido e pensei em pular em seu pescoço, mas Kaname ma impediu de chegar até ele.
  
- Você também não ajuda, não é, Leon? – Kaname suspirou, me virando de costas para ele e me guiando para o outro lado da sala.
  
Andei até a parede, me recostando na porta e encarando-a. A presença vampiresca de Hina expandiu-se seguida por um grito agudo seu. Corri até a porta e girei a maçaneta. Estava trancada.
  
- Lyra! Mel! O que está acontecendo ai?
  
- David, precisamos de mais algumas toalhas!
  
Lyra abriu a porta com velocidade e colocou o rosto anguloso para fora. Corri desesperado, pegando as últimas toalhas limpas que tínhamos em casa e entreguei-as.
  
- O que está acontecendo?
  
- Jack está nascendo! – Sorriu com entusiasmo.
  
Dizendo isso, voltou a fechar a porta. Bati duas vezes na porta e pedi para entrar, mas as três gritaram em coro que não. Respirei fundo e revirei os olhos.
  
- Elas não te querem lá. Pode desmaiar e deixar Hina mais nervosa. – Leon não calava a maldita boca.
  
Torci a boca e chutei a almofada de Salen, que estava no chão em cima dele. Leon a pegou a poucos centímetros de seu rosto e gargalhou. O gato me olhou insultado. Kaname balançava a cabeça, como uma babá que precisa ficar apartando a briga de duas crianças.
  
Ouvi Hina chiando baixo, parecia morder alguma coisa para abafar um grito. Aquilo me desesperou. Ela estava sofrendo muito. Eu sabia que tinha sido uma péssima idéia aceitar que o parto fosse em casa. Soltei o ar todo de uma vez, parecia um animal selvagem.
  
- O que será que está acontecendo lá dentro? – Leon se divertia em me espetar a paciência – Hina está tentando não gritar... Será que aconteceu alguma coisa ruim?
  
- Cala a boca, seu animal! – Gritei, perdendo o resto de calma que possuía – Minha arma favorita está logo na cozinha, sabia?
  
Ele gargalhou e Kaname o olhou com repreensão.
  
Mais um grito. Desta vez, não estava abafado, e foi longo e dolorido. Eu tremi e gelei por dentro. Seu grito fez minha alma gemer com ela. Senti meu controle vacilar, e meus olhos encheram-se de lágrimas. Olhei para cima, tentando respirar.
  
- Nasceu. – Anunciou Lyra, com a porta aberta e sorrindo satisfeita – Parabéns, papai. Seu filho é lindo!
  
Meu espírito ficou leve. Havia dado tudo certo, apesar de toda tensão sobre sua gravidez, e, principalmente, parto, por seu metabolismo humano inconstante. Hina teve uma gravidez tranquila, na realidade, mas eu sempre ficava tenso, com qualquer pequena contração. Tive muito medo durante os quatro meses. Sua barriga cresceu numa velocidade incrível do segundo para o terceiro mês. Lyra e minha mãe nos orientavam, cada uma compartilhando seus conhecimentos sobre gestação conosco. Não foi fácil, mas foi, certamente, prazeroso.
  
Entrei no quarto, tropeçando em meus próprios pés, e me deparei com nossa cama, com os lençóis cobertos de sangue, e Hina, vermelha e com a testa com gotículas de suor, com um pequeno embrulho nas mãos. Aproximei-me com cuidado. Ela olhou para mim e sorriu, colocando sua mão sobre o lençol em seus braços e o puxou com cuidado, revelando o pequeno rosto de bebê. Ele era realmente lindo. Sua pele era muito branca, e tinha as bochechas rosadas e redondas. O cabelo era apenas um pouco mais curto que o meu – não sabia que bebês podiam ter tanto cabelo – e a tonalidade era fidedigna. Parecia dormir.
  
- Ele é a sua cara. – Minha mãe terminava de arrumar as coisas que usara para fazer o parto – Espero que não tenha o mesmo gênio.
  
- Se não tiver, a convivência irá resolver isso. – Ri para ela e voltei a olhar a pequena criatura de bochechas rosadas, sentando-me ao lado de Hina na cama.
  
- Toma. – Ela me estendeu o bebê.
  
- Vou acabar quebrando-o, Princesa. – Não me deu ouvidos e deixou-o em meu colo – Como é leve!
  
Meu pequeno filho virou o rosto para mim e finalmente vi seus olhos grandes e redondos, como os da mãe, mas a tonalidade era verde. Ele me olhava com seriedade e parecia desconfortável em meu colo. Acariciei seu rosto e ele enfezou as sobrancelhas, começando a chorar no mesmo instante.
  
- Parece que Jack não gosta muito de mim. – Ri, enquanto ninava-o – Não ficou muito feliz em ver um homem logo em seus primeiros minutos de vida, não é? Eu também não gostaria... –   Sussurrei ao ouvido dele a última frase.
  
Minha mãe e Hina riram com minha piada machista, sabiam que não falava sério. Para minha surpresa, ele olhou para mim e sorriu, dando uma risada gostosa e bebê e mostrando toda aquela gengiva.
  
- Que risada gostoosa! – Ele era tão bonitinho que tive vontade de morder de verdade, mas contive-me, e apenas o abracei um pouco – Bebês são tão engraçados...
  
Devolvi-o para os braços de sua mãe e beijei-a. Jack gargalhou, parecendo gostar do que viu. Eu olhei para ele e ergui uma sobrancelha. Beijei Hina novamente, e ele repetiu a ação.
  
- Danado ele...! – Gargalhei, levantando-me da cama.
  
- Jack-chan vai dar trabalho. – Hina concordou comigo, rindo.
  
▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄
  
Um mês havia se passado, Jack crescia numa velocidade anormal. Já conseguia sentar na cama e os dentes frontais de cima já haviam nascido. Mamava feito um morto de fome nos seios cheios de leite de Hina. Era engraçado vê-la amamentando, ela não parava de rir! Pelo que parecia, ele não precisava sorver sangue, como a mãe. Isso me deixava menos preocupado.
  
Fora isso, fazia tudo por ele: colocava-o para dormir, dava banho, e até mesmo, trocava suas fraldas – Hina tinha horror a isso. Descobri que era muito fácil cuidar daquela coisa rechonchuda e risonha. Com a folga que consegui das missões de execução fora do país, pude aproveitar ao máximo meu filhote e minha princesa.
  
Tudo corria bem, mas algo me incomodava profundamente. Algo que não tem explicação e que me deixava aterrorizado, principalmente pelo histórico da família de Mel, que sempre previa quando desgraças estavam para acontecer. A sensação vinha e sumia, e assim ficou me atormentando pelas últimas semanas. Apesar de não saber o que viria, sabia que não era nada bom. Não contei nada para Hina, não a preocuparia sem necessidade. Descobriria sozinho e resolveria.
  
▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄
  
Hina havia tirado o dia para fazer compras com Lyra, e eu brincava com Jack e Salen quando meu celular tocou. Deixei-os brincando e fiquei apenas observando enquanto recebia as ordens para o novo serviço. Eles se davam muito bem. Salen parecia o animal de estimação perfeito, com o bebê, era mais brincalhão que um cachorro, mas continuava cuidadoso, e não deixava que caísse para trás, levando boas empurradas com isso. Salen era uma gracinha.
  
A missão era igual a todas as outras. Não agüentava mais ter que lidar com tantos vampiros que haviam perdido o controle. Eles sempre davam trabalho e tentavam me convencer de sua inocência. Isso gasta minha paciência. Falei que não poderia ir atrás da vampira naquela noite, por causa de minha esposa, mas meu protesto não havia sido aceito. Fora tido como um caso que merecia urgência, pois a vampira bebia todo o sangue, dilacerava os corpos e os largavam a sua própria sorte, não importando o local do ataque. Desliguei e caminhei para os pequenos que brincavam no chão.
  
Jack puxava as orelhas do gato, que miava desesperado. Corri até os dois e segurei as pequenas mãos de Jack, falando firme com ele, que não deveria puxar as orelhas do pobrezinho. Ele me olhou sério, mas parecia ter compreendido.
  
Ouvi um barulho na janela, que pareciam mãos que se agarravam à parte metálica, e levantei alarmado, já pegando a arma Hunter que sempre estava presa ao meu cinto. Não havia presença sobrenatural. Abri a janela e olhei ao redor, mas não vi nada fora do comum à vista. Fiquei algum tempo estudando a janela quando ouvi novamente os gritos de Salen.
  
Corri novamente até os dois, mas antes que pudesse separá-los, as garras de Salen já haviam voando na perna de Jack. O machucado começou a sangrar no mesmo instante. Peguei Salen do chão, segurando-o pela coleira vermelha de couro e o coloquei dentro do banheiro social. Voltei para Jack com uma de suas faldas de tecido na mão, esperando coagular o sangramento.
  
A fralda escorregou de minha mão quando vi que não havia nem sequer cicatriz no local antes ferido. Peguei a fralda do chão e sequei o sangue que restara em sua perna. Jack me encarava com seus grandes olhos verdes e ria, como se nada tivesse acontecido.
Minha cabeça girou. A sensação ruim havia voltado, mais forte que das outras vezes, era avassaladora. Coloquei a mão sobre a testa e fechei os olhos. Quanto mais a data se aproximava, a má sensação se intensificava. Eu ainda não fazia idéia do que era, e isso me deixava ainda mais aflito.

▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄

À noite, quando Hina chegou em casa, Jack já dormia. Ela tentou me surpreender, chegando no escritório pelas minhas costas e pisando leve, eu já tinha aceitado fingir cair na dela, mas Hina bateu o braço num armário e derrubou os livros que estavam em cima. Sua cara de espanto foi maravilhosa. Eu a ajudei a recolher os livros e ri com ela.

- Como foi no shopping? Comprou tudo que queria? – Perguntei, largando os livros amontoados em cima da mesa e a abraçando.

- Quase tudo... Mas comprei coisas demais, quase não tinha mão para carregar tudo. – Admitiu, rindo e me beijando.
  
- Jack já está dormindo. Descobri hoje que ele tem o poder de cicatrização como o dos vampiros. – Hina sorriu entusiasmada com a minha descoberta – O Salen fez um pequeno arranhão nele.
  
- Salen deve ter descoberto que é meu filho. – Ela me beijou novamente, jogando meus cabelos para trás. Eu já sabia o que isso significava.
  
- Hoje não posso, amor. Tenho mais uma missão. – Suspirei, acariciando seu rosto com as mãos.
  
- Mais uma? O conselho nunca vai te dar uma folga de verdade?
  
- Com sorte, encontro ela rápido e volto logo para casa. – Beijei sua testa e me afastei, indo para o armário que guardava meus equipamentos.
  
- Já vai agora? – Ela ficara decepcionada.
  
- Sim. – Olhei para ela, suspirei e voltei a carregar meus bolsos – Desculpe. Volto logo. É uma recém criada que não tem táticas de luta, mas está matando muitos civis. Não será problemas. – Tentei animá-la com um sorriso. Beijei-a novamente – Comporte-se enquanto eu estou fora.
  
- Está bem. Vou ver se durmo um pouco. Todo aquele Sol me deixou cansada.
  
- Bons sonhos meu amor. Não vou te deixar dormir muito, não se preocupe.
  
Rimos. Ela entendeu o que eu pretendia.
  
Caminhei até a porta, e quando esperava o elevador no cubículo que era o hall do andar, a sensação veio novamente. Cai de joelhos no chão. Imagens cheias de sangue vieram a minha mente. Eu apertei os olhos, tentando, inutilmente, me livrar das imagens. Respirei fundo, com a esperança de me acalmar, mas o que sentia era tão ruim que espremia meu coração.
  
Voltei para falar com Hina. Sentia como se nunca mais fosse vê-la, não importa o quanto lutasse ou tentasse mudar meu destino. Eu tremia só de pensar em estar certo. Senti que iria morrer naquela noite.
  
▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄
  
O apartamento já estava completamente escuro, apenas as luzes de fora iluminavam a sala. Encontrei-a tirando a saia de pinças no quarto. Abracei-a por trás e encostei minha testa em seu ombro. Ela soltou um gemido abafado, eu a havia assustado.
  
- Que susto, Príncipe! – Senti seu coração acelerado – Não tinha que ir?
  
- Me promete uma coisa? – Minha voz saiu mais baixa que o normal, apesar do meu esforço.
  
- Qualquer coisa. – Disse melodiosamente, se acalmando aos poucos.
  
- Se eu morrer... Promete que seguirá sua vida, sendo linda e feliz, como é hoje?
  
- Do que você está falando?
  
- Apenas me prometa isso. É importante, amor. – Minha voz falhou.
  
- Prometo, mas pare de falar assim, por favor. Não gosto nem de pensar na hipótese de viver sem você. – Ela virou-se de frente para mim e se aninhou em meu corpo.
  
- Você precisa ser forte. – Mas eu não fui. As lágrimas escorreram por meu rosto e caíram em seu ombro nu.
  
- Príncipe, do que você está falando? – Hina levantou os olhos, sua expressão estava confusa, não entendia o que eu dizia – Por que está chorando? Você não chora por besteira. Me conte.
  
Não tive coragem para lhe contar sobre o que sentia.
  
Dei as costas e saí de casa. Hina chamou por meu nome e eu não me virei. Ela caminhou até mim, e eu parei.
  
- Por favor, não venha comigo. Tome conta do Jack. Ele precisa de você! – Meu peito estava comprimido.
  
Hina não disse nada, apenas voltou para o quarto de forma obediente. Agradeci por esse jeito dela. Não podia suportar a idéia de deixá-la em perigo. Liguei para Lyra, e pedi que fosse para nosso apartamento ficar com Hina. Também não lhe contei o que acontecia, mas ela não fez perguntas e pediu para que deixasse Hina e Jack em suas mãos. Eu não tinha palavras para agradecer.
  
Sai pela porta, disposto a enfrentar o que aparecesse.
  
Faria de tudo para voltar para casa, voltar para minha família.
  
▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄▀▄
  
Corri pela cidade, buscando pela presença da vampira responsável pelos últimos ataques. Senti uma presença, que imaginei ser a dela, e fiquei estacionei a moto onde estava para preparar a armadilha. Aquela rua sem saída e escura parecia perfeita para fazer meu trabalho sem testemunhas.
  
Peguei o vidro que estava no bolso interno de meu sobretudo favorito e joguei o conteúdo transparente no chão. Em breve, ela estaria no local, seduzida pelo cheiro. Sempre funcionava desta forma. Sentei-me na calçada, próximo a uma árvore, decidido a esperar que ela aparecesse logo.
  
Quase uma hora se passou e nem sinal. Minha paciência se esgotou. Levantei dali e voltei a caminhar. Com sorte, encontraria sua presença e poderia segui-la. O estalar de um pequeno graveto me fez olhar para trás, sobressaltado.
  
Ela estava contra a luz. Era uma garota alta e magra, com os cabelos lisos e muito compridos, chegando aos joelhos. Caminhou mais alguns passos, diminuindo a distância entre nós e sorriu larga e maliciosamente. Usava uma calça de couro preta justa e um casaco pesado. Demorei a reconhecer seu rosto.
  
- Mimi, o que está fazendo aqui? – Disse, tirando a mão da arma que estava presa em meu, cinto por reflexo.
  
- Limpeza.
  
Ela fez um movimento de cruzar os braços e os puxou para frente, revelando duas armas de cano duplo, que disparou no mesmo instante que as vi. Pelo meu bom condicionamento físico, consegui desviar dos tiros com alguns movimentos. Mas sua ação hostil me pegou de surpresa.
  
- Vou interpretar isso como um ‘olá’ da minha mestra, após tantos anos sem nos vermos. – Não queria perder o bom humor.
  
- Você mancha a boa reputação dos Vampire Hunter. – Sua voz era seca – Como pode ter se casado com uma sugadora?
  
- Isso não é da sua conta. – Sorri.
  
- Você aprendeu muito comigo. É lógico que é da minha conta!
  
- Herdei muito mais do talento da minha mãe do que aprendi com você. Não se gabe por isso.
Mimi atirou novamente e eu desviei, apoiando as mãos no chão e jogando o corpo para o lado. Era parecia furiosa com a facilidade que escapava de suas investidas.
  
- Você me envergonha, David. Por que acha que pedi para sair, sendo que tinha tudo para ganhar um ótimo lugar na mesa principal do Conselho?
  
- Você não aguentou a pressão. É normal pessoas fracas desistirem de uma carreira promissora por não agüentarem seu peso.
  
Ela escorregou o dedo pelo gatilho, mas eu estava cansado de sua brincadeira infantil. Abaixei, desviando os primeiros projéteis, pegando uma corrente de metal que estava próxima ao seu pé, e levantei envolvendo sua perna esquerda com ela. Puxei e ela foi ao chão de costas.
  
- Não quero te machucar, Mirian. Fiquei muito mais forte esses últimos anos, você não sabe com quem está lidando.
  
- Continua sendo o mesmo garoto bobo por dentro, não amadureceu nada. – Mimi deu uma cambalhota reversa e estava de pé novamente.
  
Ela ainda segurava as armas, mas desta vez, as apontava para o chão. Nos encaramos por algum tempo, sérios, até que ela investiu contra mim novamente, correndo e atirando. Corri até ela, desviei dos primeiros tiros, mas antes de consegui chutar suas mãos, ganhei o último tiro no ombro esquerdo.
  
Levei a mão ao ombro ferido e ri. Aquele não era o primeiro tiro que ganhara disparado por minha prima, e, pelo visto, não seria o último. Mimi tentou pegar as armas, mas eu as chutei para longe, pegando minha arma, e ela me olhou com raiva. Eu apontei-a para Mimi, que engoliu em seco.
  
- Você sabe muito bem por que odeio os vampiros David!
  
- Muitas filhos de Hunters tem os pais mortos por vampiros, Mimi! Este é um risco da profissão! Você, melhor que ninguém, deveria entender isso!
  
- Eles me violentaram! O que eu, uma garota de apenas oito anos, tinha a ver com isso? – Seus olhos se encheram de lágrimas por um segundo, mas ela abaixou o rosto em seguida.
  
Eu não sabia que ela havia sido violentada por vampiros, na noite em que seus pais falharam.
  
- Isso não muda as coisas. Humanos também fazem isso, nem por isso você deseja matar todos eles. – Eu não distanciava a mira.
  
- Não importa. – Mimi voltou a olhar para mim, ignorando a arma apontada para sua cabeça – Você se juntou a eles. É um traidor.
  
Num gesto rápido, ela passou uma faca por entre os dedos, que, provavelmente, estava escondida em seu casaco, e fez um pequeno corte em meu tornozelo. Teria sido um corte feio caso não tivesse puxado o pé um segundo antes. Assim que me estabilizei no chão após o impulso, apertei o dedo no gatilho, acertando sua perna esquerda.
  
Mimi soltou um gemido de dor e voltou a me olhar.
  
- Você vai morrer, David. Não adianta lutar.
  
- Não vai conseguir me atingir de verdade, conheço todas as suas técnicas ultrapassadas. Pare de se torturar e vá para casa. – Disse rindo, apesar do frio na espinha que aquela frase me causou.
  
- Está enganado. Tenho você em minhas mãos. – Sua voz estava possuída por uma felicidade ensandecida.
  
- Do que está falando? – Cerrei os olhos, sem acreditar muito em suas palavras.
  
- Olhe para o início da rua.
  
Apurei minha visão para a esquina, onde vi uma silhueta feminina com algo nos braços, que caminhava lentamente em nossa direção. Aquele formato de corpo me era familiar... Hina? Uma luz mais próxima revelou seu rosto, que reconheci de imediato.
  
- Dark. – Meu coração palpitou ao ver um lençol familiar em seus braços.
  
- Olá, dear. – Seus lábios cobertos de batom vermelho se esticaram num sorriso – Vejo que sabe esquivar muito bem. Mas fico imaginando o que faria se a vida de seu pequeno meio-vampiro estivesse em minhas mãos.
  
Ela puxou o lençol e vi o pequeno rosto de Jack. Ele permanecia adormecido e com as bochechas rosadas. Meu mundo desabou naquele momento.
  
- Onde está Hina? E Lyra? Quando você soube...?
  
- Eu aluguei o andar debaixo do de vocês. Foi muito fácil descobrir falhas no seu sistema de segurança, David. – Mimi estava ao meu lado e olhava Dark, orgulhosa de seu plano.
  
- Eu percebi que havia algo estranho, então Mimi me contou a verdade. E elas não viram quando entrei pela janela e peguei o bebê. Hii-chan é uma aluada, sempre foi. A janela estava aberta, foi fácil demais.
  
- Pare de falar. – Mimi revirou os olhos e apontou uma arma menor para mim – Faça logo o que tem que fazer.
  
Apontei minha arma para ela. Hika fez um movimento e eu virei meu rosto para ela, que tirava da saia justa um punhal, e a aproximou do rosto de meu filho.
  
- Solte-o. – Disse o mais calmo que pude. Joguei minha arma no chão, e em seguida, meu sobretudo – Sem truques, apenas solte-o, por favor.
  
- David, olhe para mim. – Mimi sorria de uma forma que me enojava – Quero vocês dois mortos. Um, pela traição ao clã; o outro, como o fruto dela, uma aberração.
  
Chutei sua arma e em seguida sua barriga, fazendo-a cair no chão. Abaixei-me junto a seu corpo e puxei seus braços para trás. Hika deu um passo para trás e seu olhar ela hesitante.
  
- Estou tentando negociar, não me faça perder a calma. – Respirei pesado – Eu te deixo inteira e não me defendo, mas em troca, quero meu filho a salvo. Se eu encontrar sequer um arranhão nele...!
  
- Você vai quebrar meus braços. – Ela não parecia me ouvir.
  
- Quero Jack em casa, com a mãe dele. – Minha voz saia dura e tensa.
  
- Ele estará a salvo. Me contento com apenas a sua morte. Tem a minha palavra. – Disse por fim.
Soltei-a, e Mimi caiu com o rosto no asfalto. Olhei para Hika, que parecia se divertir com a cena, sem tirar o punhal afiado da face de meu filho adormecido.
  
- Uma reação e seu monstrinho ruivo morre. – Ela levantou-se, pegando minha arma favorita e batendo com o cabo em minha nuca.
  
Eu caí de joelhos, completamente tonto. Ouvi os disparos seguidos da arma e senti minhas costas queimando, numa dor inexorável. Haviam mais oito balas em meu corpo. Minha visão ficou turva e a vi caminhando com Hika para o fim da rua.
   
- Não faço questão de ver seu último suspiro.
   
Foi a última coisa que ouvi, antes de sufocar com o sangue que estava em minha garganta e perder os sentidos...